A NOVA NARRATIVA - ANTÔNIO CÂNDIDO

A NOVA NARRATIVA

ANTÔNIO CÂNDIDO - Ática, 2000

Por: Gladys Mara de Oliveira FERREIRA

Graduanda em Letras Hab. Língua Portuguesa/CAMEAM/UERN

Ao tratar da Nova Narrativa, Antônio Cândido começa por traçar um rápido percurso histórico para que melhor compreendamos este movimento. Partindo do perfil da literatura latino-americana, esta possui aspectos comuns do mesmo fenômeno literário aqui tratado que é a Nova Narrativa. Alguns traços da literatura latino-americana do final do século XIX e início do século XX, abordados por Antônio Cândido, possuem características que dão um caráter comum à narrativa e que podem ser observados de vários ângulos. Primeiro a urbanização crescente e desumana, devido ao processo industrial, levando milhares de famílias ao êxodo rural, deparando-os com um capitalismo aniquilador. No aspecto cultural, as artes em geral eram fortemente influenciadas pelos Estados Unidos, “desde a poesia de revolta e a técnica do romance até os inculcamentos da televisão, que dissemina o espetáculo de uma violência ficcional, correspondente à violência real [...]” (CÂNDIDO, 200, p. 201).

No Brasil, as raízes das tendências atuais tiveram posturas antagônicas em relação à existência ou não de uma literatura independente, autenticamente brasileira. Há quem diga que a independência literária do Brasil culminou com o romantismo, surgindo pouco depois “o regionalismo de ficção, assinalando as peculiaridades locais e mostrando cada uma delas como outras tantas maneiras de ser brasileiro.” (ibidem, p. 202). Vinculando a literatura a Terra, o Brasil era melhor representado, pois tratava de assuntos peculiares ao País. No início do século XX, o regionalismo de ficção abre espaço à “literatura sertaneja”, não sendo bem quista pelos críticos daquela época, pois era marcadamente pitoresca, enfocando o Brasil de um ângulo “duvidoso do exotismo, paternalista, patrioteiro e sentimental.”(ibidem, p. 202).

Cândido ressalta que mesmo antes do indianismo e do regionalismo, a literatura brasileira já moldava os caminhos futuros que iria tomar, abordando temas sobre a vida nas grandes cidades, dando maior foco a cidade do Rio de Janeiro, e às características dos costumes da cidade grande, tendo a contribuição de grandes escritores.. “Machado de Assis que decerto contribuiu para que o regionalismo se fixasse na ficção brasileira como opção secundária, ao trazer para o primeiro plano o Homem existente no substrato dos homens de cada país, região, povoado. (ibidem, p 203)”.

Este percurso histórico, feito por Antônio Cândido, se faz necessário para que nos conscientizemos de que o regionalismo e o pitoresco, não foram elementos centrais e decisivos da literatura brasileira. Observa-se que desde cedo existiu uma literatura urbana e universalizante.

Ao mencionarmos a Nova Narrativa brasileira entendemos que se refere à Literatura dos dias atuais, num processo de renovação e busca da naturalidade, se opondo as obras dos antecessores imediatos de 1930 e 1940, construindo uma nova maneira de escrever. De início o chamado “romance do Nordeste” surge com o intuito de aniquilar a visão paternalista e exótica do regionalismo, adotando uma postura mais crítica da realidade tanto na abordagem temática quanto no uso do vocabulário. Neste sentido, Antônio Cândido cita Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rêgo e Jorge Amado, no painel desse movimento renovador.

Concomitantemente, o romance ficcional urbano cresceu como forma de reação ao romance nordestino, inserindo-se aí os romances voltados para a desarmonia da sociedade. O que estava acontecendo era uma nova visão literária, voltada para uma nova forma de escrever, em busca da naturalidade, “tornada possível pela liberdade que os modernistas do decênio de 1920 haviam conquistado e praticado.”(ibidem, p. 205). Tendo como características a obtenção de ritmo oral, linguagem atual, beirando o coloquial, a composição descontínua e fragmentada, a simplicidade e a rapidez das idéias. O que se buscava era uma forma de acolher os modos populares com a “quebra de tabus de vocabulário e sintaxe, o gosto pelos termos considerados baixos” (ibidem, p. 205)

Essa nova geração de escritores quebrou o elo com o regionalismo operante, e fiz surgir o romance urbano moderno, acabando com a ingenuidade e frivolidade das narrativas que imperaram nos anos de 1910 e 1920.

Após os anos 50, a Nova ficção brasileira vai se consolidando com autores como Osman Lins, Fernando Sabino, Oto Lara Resende e Lígia Fagundes Telles, entre outros, que contribuíram para o surgimento dessa Nova Narrativa, segundo Antônio Cândido.

Nos anos 60 e 70 a “Nova Narrativa” ganha tema novo com a ditadura, tendo a repressão política e ideológica como tema para a abordagem social. Cândido, ressalta que não existem parâmetros pré-definidos, não há mais a preocupação com a simetria e a harmonia do texto, o que vale é a inovação, a assimilação de novos recursos, também, não há um enquadramento pré-definido. “Direita ou esquerda?” “Romance pessoal ou social?”. Antônio Cândido ressalta as obras de Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Murilo Rubião e João Cabral de Melo Neto, colocadas como obras importantes que só foram captadas pelo público nos anos 60 e 70, mas que já mostravam a realidade social ou pessoal. Clarice Lispector, através da sua linguagem peculiar justificava o fato de produzir uma realidade própria, específica. Outro importante escritor é Guimarães Rosa que publicou um livro de contos regionais, mas que produziu uma inflexão diferente à narrativa, graças à “inventividade dos entrechos e à capacidade inovadora da linguagem” (ibidem, p. 207). Estes livros foram importantes porque, de certo modo, foi uma “explosão transfiguradora” da linguagem. Guimarães Rosa mostrou que é possível “instaurar a modernidade da escrita dentro da maior fidelidade à tradição da língua e à matriz da região”. (ibidem, p. 207)

Nos anos de 60 e 70 a literatura seguiu uma linha “experimental e renovadora”, dando uma contribuição “experimental e renovadora” à literatura atual, refletindo a nova postura estética e “amargura política”. Cândido nos fala que no s anos 70 há uma autêntica pluralidade de idéias, um desdobramento dos gêneros de romance e contos, com uma linguagem nova, autêntica. A Nova Narrativa passa a incorporar características jornalísticas, de propagandas, da televisão e das vanguardas poéticas, como o concretismo.

Candido, volta a falar de Clarice Lispector como precursora deste gênero desestruturante, “que dissolvem o enredo na descrição e praticam esta com gosto pelos contornos fugidios” (ibidem, p. 210), atribuídos a “visão feminina, presa ao miúdo concreto”. Além desta característica, a ficcionalização é transferida para outros gêneros como o cinema, o teatro, a telenovela.

O conto ganha status, representando o melhor da ficção brasileira. Alguns ficcionistas como João Antônio, com sua “prosa aderente a todos os níveis da realidade, graças ao fluxo do monólogo, à gíria, à abolição das diferenças entre falado e escrito, ao ritmo galopante da escrita[...]”(ibidem, p. 211). Rubem Fonseca também é citado, dentro desse molde de “ultra-realismo sem preconceitos”, com temas violentos e narrativa em primeira pessoa, levando o discurso ficcional mais próximo do real, apagando as distâncias sociais, e identificando-se com a matéria popular. a estas tendências aqui representadas por estes dois autores, Cândido chama de “realismo feroz”.

A ruptura com os traços realistas, que dominaram o cenário literário por mais de duzentos anos, é outra forte característica dessa Nova Narrativa. O insólito, o absurdo, são temáticas abordadas dentro de uma “espécie de tranqüilidade catastrófica”. (ibidem, p. 211)

Mas há destaque para os escritores que seguem uma linha mais tradicionalista, convencional, mas não sem audácia, pois utilizam os traços de naturalidade e do uso coloquial na linguagem. Acima de tudo, segundo Cândido, é uma literatura “do contra”. Contra a convenção realista, contra a lógica narrativa, contra a ordem social, a favor de uma ideologia implicitamente divulgada. Aí se enquadra o já citado, “realismo feroz”, e por isso a narrativa em primeira pessoa como “recurso para confundir autor e personagem, adotando uma espécie de discurso direto permanentemente e desconvencionalizado[...]”(ibidem, p. 213).

Se nos anos de 30 e 40 os escritores inovaram no léxico, nos anos de 60 e 70, vão mais longe, e “entram pela própria natureza do discurso ficcional” (ibidem, p. 213). A narrativa torna-se veloz, multifacetada, transgressora, tendo como suporte o conto, o sketch, a crônica, onde o insólito o absurdo é abordado fotograficamente dentro de uma “visão fulgurante”.

Cândido não aponta uma linha temporal para a duração dessa “Nova Narrativa”, pelo contrário, ele nos diz que isso não importa, pois se trata de uma “montagem provisória, em era de leitura apressada, requerendo publicações ajustadas ao espaço curso do dia”. (ibidem, p. 214). Mas há um ponto negativo para essa gama de recursos, digamos, velozes, devido a correria e a falta de tempo que faz parte do cotidiano, ou seja, algumas obras tendem a se tornarem clichês sem tempero, caindo num modismo exacerbado. Cândido não faz previsões futuras para a Nova Narrativa e deixa no ar um motivo para refletir sobre esta narrativa, onde consideramos obras satisfatórias algumas que foram realizadas sem preocupação de inovar, sem compromisso com a moda, sem vínculo com escola.