SOBRE KAFKA, ESPELHOS E PROCESSOS

ALGUNS LUGARES NÃO SÃO PARA TODOS nem todo lugar convém. É preciso saber até onde se pode ir, passar ou entrar. Um rico pode passar pelo buraco da agulha desde que por “agulha” estejamos falando da mesma coisa – a parte pontuda das enormes portas de madeira que guardavam as cidades antigas e protegiam os moradores de possíveis saqueadores depois do crepúsculo.

Você pode entrar por uma porta e sair por outra, você pode entrar e demorar pra sair, você pode nunca mais sair se depois de entrar não reconhecer o lugar por onde entrou – algumas saídas não são para todos.

De todos os lugares que se possa entrar medindo altos riscos, o espelho ainda é o mais tenebroso. Espelhos não mentem como rezam as lendas, espelhos enganam – mentir e enganar são coisas diferentes, se as duas palavras significassem a mesma coisa não seriam escrita de forma diferente da mesma forma que não seria necessário distinguir saída de entrada.

De volta ao espelho. Que prisão magnifica! Pode ter inúmeras faces, tamanhos, e ser feito de matérias que ainda não existem quando for inventada uma nova tecnologia. Espelhos se multiplicam, nos multiplicam e nos enganam representando verdades ou mentiras invertidas. Quando alguém se olha no espelho está vendo outra pessoa, sempre haverá em cada superfície polida a imagem de um deus onipotente erguido sobre as ruínas do egocentrismo.

As igrejas são fascinantes obras literárias a espera de analfabetos, procrastinadores e preguiçosos o suficiente para tomar a representação visual da arquitetura e das imagens pintadas ou esculpidas como lugares sagrados nos quais depositamos nossas almas em troca da segurança nas horas de medo.

Ouça o conselho de quem está falando com você preso do outro lado, aqui onde não é necessário oxigênio para respirar: não se deixe no espelho, em nenhum espelho a ponto de não saber por onde entrou.

(*) Spoiler em inglês, tradução espoliador, se referem ao termo Espólio ou Espoliação, termo oriundo do meio jurídico que se refere ao ato de privar alguém de algo que lhe pertence ou a que tem direito por meio de fraude ou violência; esbulho. Espoliador, ou aquele que pratica espoliação. Wikipédia

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 11/01/2020
Reeditado em 21/01/2020
Código do texto: T6839209
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