"As Cem Linguagens da Criança" Resenha Parte II: Os Educadores de Reggio Emilia descrevem seu programa - Entrevistas a Lella Gandini

“As Cem Linguagens da Criança”

Resenha Parte II: Os Educadores de Reggio Emilia Descrevem seu Programa – Entrevistas a Lella Gandini

Alexandre José de Souza Puglisi ¹

Resumo: Trabalho realizado com o intuito de tornar sucinto os feitos pedagógicos de Loris Malaguzzi em relatos de pesquisadores referentes à abordagem adotada nas escolas da região de Reggio Emilia, Itália.

Palavras-chave: Educação infantil; Linguagens; Puglisi; Malaguzzi

¹ Graduando em Pedagogia, USP.

Resenha

3. História, Ideias e Filosofia Básica

3.1. História: Um apanhado de datas importantes.

1946: O começo de uma escola dirigida por pais. Em Reggio Emilia, as pessoas haviam decidido construir e operar uma escola par crianças pequenas. Esta foi uma preparação para 1963, o ano em que as primeiras escolas municipais foram criadas.

1963: Criação da primeira escola municipal dirigida para crianças. Era uma escola com duas salas de aula, ampla o suficiente para 60 crianças. Um importante marco aqui é estabelecido. Dá-se a ruptura com o monopólio da Igreja Católica na educação de crianças pequenas.

1967: Todas as escolas administradas por pais ficaram sob a administração da municipalidade de Reggio Emilia.

1976: O sucesso até então alcançado fora ameaçado por uma campanha difamatória promovida pelo Governo Católico contra as escolas administradas pelos municípios. Após cinco meses de discussão pública, as opiniões rígidas tornaram-se mais civis, temperadas e honestas dando lugar a um entendimento recíproco. Este incidente deu-se, pois, com a perda do monopólio sobre a educação, a Igreja efetua mais uma tentativa sem resultados para a recuperação do mesmo, além do fato do rápido crescimento da influência cultural das escolas de Reggio Emilia. A partir de então, o sistema de educação municipal de Reggio Emilia toma reconhecimento internacional alçando voo para outros países e continentes com a exposição “Quando o Olho Salta Sobre o Muro.”

3.2. Filosofia

Malaguzzi, cita que as situações e as origens extraordinárias e humildes serviram de ponto de partida para a extração dos princípios teóricos que ainda apoiam o trabalho nas escolas de Reggio Emilia. Além, desses, ele coloca que também emergem de uma bagagem cultural complexa imersa em história, cercados por doutrinas, por política, por forças econômicas, por mudanças científicas e por dramas humanos; existe sempre em progresso uma difícil negociação pela sobrevivência. No início, deu-se o intercâmbio com os suíços e com os franceses. A ideia suíça gravitava em torno de uma educação ativa e de tendências piagetianas enquanto o francês, inventara uma escola que mudava de local a cada três anos onde a reconstrução de antigas casas de fazenda abandonadas seriam a base do trabalho educacional com crianças. Gradualmente as coisas começaram a formar um padrão coerente. Podemos mencionar alguns teóricos que guiaram, inspiraram as escolhas de Malaguzzi. Nos anos 60, estes foram: John Dewey, Henry Wallon, Edward Chaparède, Ovide Decroly, Anton Makarenko, Lev Vygotsky, Eric Erikson, Urie Bronfenbrenner, Pierre Bovet, Adolfe Ferrière, Piaget, Celestine Freinet (experimento educacional progressista). Os psicólogos eruditos como Wilfred Carr, David Shaffer, Kenneth Kaye, Jerome Kagan, Howard Gardner; o filósofo David Hawkins e mais alguns teóricos como Serge Moscovici, Charles Morris, Gregory Bateson, Heinz Von Foerster, Francisco Varela, e mais aqueles que trabalhavam na área da neurociência dinâmica, nos anos 70.

3.3 Princípios Básicos

A escola para Malaguzzi era pensada para crianças pequenas como um organismo vivo integral, como um local de vidas e relacionamentos compartilhados entre muitos adultos e muitas crianças. Uma construção em contínuo ajuste. Ele defende a tese de que suas escolas mostram a tentativa de integrar o programa educacional com a organização do trabalho e com o ambiente, para que possa haver movimento, interdependência e interação máximos. Acrescenta que a escola é um organismo dinâmico e inexaurível e possui suas dificuldades e controvérsias, mas, principalmente, alegria e capacidade de lidar com as perturbações externas tendo como objetivo a criação de um ambiente amistoso, onde crianças, famílias, e professores sintam-se confortáveis. Contudo, há uma base teórica que é levada em conta quando fala-se em projetar uma escola para crianças pequenas.

Um exemplo, foi a utilização de algumas ideias práticas de Piaget como o conceito de permitir que as crianças estivessem com os professores ou ficassem sozinhas. Outra ideia foi a implantação de atelier, estúdio e o laboratório sendo estes espaços para a manipulação ou experimentação de linguagens visuais separadas ou combinadas, ou isoladamente ou juntamente às linguagens verbais. Há também salas para música e um arquivo para materiais e objetos úteis. As paredes da escola são utilizadas como murais por toda a escola servindo de espaço de exibições temporárias e permanentes. Malaguzzi afirma que as paredes “falam e documentam” a criação de alunos e professores.

O entrevistado reafirma a importância das famílias na educação das crianças sendo esta o terceiro componente unindo-se as crianças e a escola (chamado de Aliança) como centro do interesse do desenvolvimento de uma pedagogia de relação e de participação. Este engajamento promove o crescimento da competência educacional dos adultos. Também, essa espécie de abordagem revela muito sobre a filosofia e os valores básicos que incluem os aspectos interativos e construtivistas, a intensidade dos relacionamentos, o espírito de cooperação e o esforço individual e coletivo na realização de pesquisas. Aqui se aplica o conceito da criança como ser social munidas de conhecimento e habilidades. O modo de como os adultos relacionam-se com as crianças influencia o que as motiva e o que aprendem. Contudo, o mais importante para obtermos sucesso em nossas ações é aderir a uma concepção teórica clara e aberta que garanta a coerência em nossas escolhas, aplicações práticas e crescimento profissional contínuo.

3.4 Os Professores

O projeto de Malaguzzi supõe a presença de dois professores por sala de aula. Ele define este como o co-ensino. O co-ensino é o trabalho em forma de colegiado, representando para nós um rompimento deliberado com a solidão e com o isolamento profissional e cultural dos professores. Nesse sentido, os pares de co-ensino constituíram o primeiro bloco de fundação da ponte que nos levava para a administração baseada na comunidade e na parceria com os pais. Acrescentando que para uma melhor identificação com as estruturas familiares, lamentamos constantemente ao longo dos anos incluindo as crianças a nossa incapacidade de oferecer um número significativo de professores homens.

Malaguzzi acredita que a formação profissional dos professores e seu desenvolvimento devam ocorrer simultaneamente enquanto trabalham com as crianças. Aqui o ato de interpretação é o mais importante. Os professores devem aprender a interpretar processos contínuos, em de esperar para avaliar resultados; devem estar cientes no risco de expressar julgamentos muito rapidamente; devem estar conscientes de que a prática não pode ser separada dos objetivos ou dos valores e que o crescimento profissional vem parcialmente pelo esforço individual, mas, de uma forma muito mais rica, da discussão com colegas, pais e especialistas.

Os ateliers são espaços concebidos onde as mãos das crianças pudessem estar ativas para “criar o caos.” Esses espaços ricos em materiais, ferramentas e profissionais competentes contribuiu para a documentação e estudo da exploração pelas crianças de suas diferentes linguagens em uma atmosfera favorável e tranquila.

Malaguzzi coloca que a criatividade não deveria ser considerada como uma faculdade mental, mas sim como uma característica de nosso modo de pensar, conhecer e fazer escolhas; da capacidade de aventurar-se para além do desconhecido; gerar soluções inesperadas; demonstrando que o intercambio interpessoal favorece o desenvolvimento da criatividade; a forma da criança perceber expectativas dá o caráter sensível da criatividade; a influência do adulto com importante papel para a motivação e desenvolvimento da criatividade; a ligação entre imaginação e fantasia como resultado das atividades intelectuais e expressivas; a criatividade exige que a escola do saber encontre conexões com a escola da expressão abrindo assim as portas para as cem linguagens das crianças.

3.5 Imagens da Infância

Quando Malaguzzi menciona o fato de não legitimar corretamente uma cultura da infância tendo como consequências as escolhas feitas nas esferas sociais, econômicas e políticas e até mesmo em nossos investimentos. Neste caso, todas as pessoas que em qualquer lugar se propuseram a estudar as crianças seriamente, terminaram por descobrir não tanto os limites e a deficiência das crianças, mas suas qualidades e capacidades surpreendentes e extraordinárias aliadas a uma necessidade inexaurível por expressão e realização. Quanto mais ampla for a gama de possibilidades que for possível oferecer as crianças, mais intensas serão suas motivações e mais ricas suas experiências. Assim damos à criança o centro de nossas atenções.

Malaguzzi afirma reconhecer diferenças na formação das crianças, juntamente com diferenças que podem ser reduzidas ou ampliadas pelas influências favoráveis ou desfavoráveis do ambiente estendendo esta abordagem para crianças nascidas em qualquer cultura, em qualquer local de nosso planeta.

3.6 Teorias da Aprendizagem

Malaguzzi adota em Reggio Emilia como teorias de aprendizagem, a construção de significados onde as crianças extraem conhecimento de suas experiências cotidianas através de atos mentais envolvendo planejamento, coordenação de ideias e abstrações. Para este fim, o ato central dos adultos é ativar de forma indireta a competência de extrair significado das crianças como uma base para toda a aprendizagem.

Em se tratando do dilema de aprender e ensinar, Malaguzzi honra a primeira. O objetivo da educação em sua visão é que esta propicie à criança o aumento de possibilidades para que a criança invente e descubra. Como Piaget, concordam que o objetivo do ensino é oferecer condições para a aprendizagem.

Vygotsky lembra Malaguzzi de como o pensamento e a linguagem operam juntos para a formação de ideias e para o planejamento da ação e, em um segundo momento, para a execução, controle, descrição e discussão desta ação.

3.7 Da Teoria à Prática

Nas escolas municipais de Reggio Emilia a abordagem vem diretamente das teorias e experiências da educação ativa e encontra realização em imagens particulares da criança, do professor, da família e da comunidade que, juntas, produzem uma cultura e uma sociedade que conectam, ativa e criativamente, o crescimento tanto individual quanto social. Ao contrário das teorias behavioristas, observam o trabalho sociolinguístico sobre como adultos e crianças constroem em conjunto contextos de significado, bem como pesquisas cognitivas fundamentadas sobre perspectivas construtivistas, interacionistas simbólicas e construtivistas sociais. Aprender e reaprender com as crianças é a linha de trabalho nessas escolas tendo duas abordagens. A primeira é como as crianças ingressam em uma atividade e desenvolvem suas estratégias de pensamento e ação. A segunda é o modo como os objetos envolvidos são transformados.

Em sua entrevista, Malaguzzi finaliza afirmando que a motivação contínua de seu trabalho tem sido uma tentativa de opor-se ao engodo e liberar esperanças para uma nova cultura humana da infância.

4. A Parceria Comunidade-Professor na Administração das Escolas

A participação comunitária na Itália passou a ter um apoio oficial a partir dos anos 70. Esta tem sido vista como um meio de se apoiar a inovação, de proteger instituições educacionais contra os perigos da burocracia excessiva e de estimular a cooperação entre educadores e pais. Esta forma de participação evoluiu para um sistema de administração baseada na comunidade em creches e pré-escolas operadas pelo município salientando os valores da cooperação e do envolvimento. A gestão social visa promover a vigorosa interação e comunicação entre educadores, crianças, pais e comunidade. Neste contexto surge a Junta de Conselheiros formada por representantes eleitos podendo estes serem pais, cidadãos e educadores com o propósito de abordar a necessidade das famílias e dos educadores onde a Junta tornou-se a iniciadora e o principal veículo de participação em todos os seus complexos aspectos.

Esta parceria exige procedimentos e a geração de oportunidades para interação latentes. Após o início do ano escolar, pais e professores tinham as seguintes oportunidades para uma interação: encontros no nível de sala de aula individual; pequenas reuniões em grupo; conversas individuais entre pai-mãe/professor; reuniões envolvendo um tema; encontros com especialistas; sessões de trabalho; laboratórios; feriados e celebrações; outras possibilidades para encontros também desenvolvidas por pais e professores com piqueniques, excursões e outros.

5. O Currículo Emergente e o Construtivismo Social

Currículo Emergente e a forma que define o planejamento com um método de trabalho no qual os professores apresentam objetivos educacionais gerais, mas não formulam os objetivos específicos para cada projeto ou cada atividade de antemão. Em vez disso, formulam hipóteses sobre o que poderia ocorrer, com base em seu conhecimento das crianças e das experiências anteriores. Juntamente com as hipóteses, formulam objetivos flexíveis e adaptados as necessidades e interesses das crianças, os quais incluem aqueles expressados por elas a qualquer momento durante o projeto, bem como aqueles que os professores inferem e trazem à tona à medida que o trabalho avança.

Os educadores de Reggio Emilia acreditam que todo o conhecimento emerge no processo de construção social e de si mesmo. Neste sentido, a abordagem construtivista-social como técnica educacional é colocada na criança no sentido concreto, sobre cada criança em relação a outras crianças, professores, pais, sua própria história e circunstâncias sócias e culturais. Os elementos mais importantes que observamos e atuamos são a ação e socialização em grupo.

6. O papel do Pedagogista

Como um membro da equipe de coordenadores pedagógicos, tem a tarefa complexa e multifacetada de promover um crescimento cultural e social dos sistemas para as crianças pequenas. Entre os professores, deve estar disponível para apoiar seus relacionamentos individuais com as famílias e o de ensinar a “aprender a aprender” como postura de educadores.

7. O Papel do Atelierista

Antes de definirmos na visão de Malaguzzi o papel do Atelierista, vamos discorrer sobre a função do atelier. Ele tinha duas funções: a primeira é que ele oferece um local onde as crianças podem tornar-se mestres de todos os tipos de técnicas, tais como pintura, desenho e trabalhos com argila – todas as linguagens simbólicas. Segundo, ele ajuda que os professores compreendam como as crianças inventam veículos autônomos de liberdade expressiva, de liberdade cognitiva, de liberdade simbólica e vias de comunicação sendo este uma identidade educacional emergente em Reggio Emilia. A outra função importante do atelier é a de oferecer uma oficina para documentação. Isso permite a criação de novas trilhas para uma nova abordagem didática na qual a linguagem visual era interpretada e conectada com outras linguagens, todas deste modo ganhando significado. O ambiente do atelier torna-se um centro de cultura, onde ao longo dos anos os processos e ferramentas têm sido modificados.

Dado o espaço e sua aplicação bem como a proposta, a relação entre o atelierista, que em última análise é um especialista em artes, e os professores cresceu e aprofundou-se, afetando o relacionamento profissional entre os professores e as crianças.

O atelierieista trabalha simultaneamente com crianças e professores. Encontra várias vezes ao dia os professores no intuito de ajudar a explorar novos caminhos para as crianças.

O ponto importante mencionado por Vecchi é o papel do atelierista garantir a circulação de ideias entre os professores podendo intervir diretamente com as crianças para criar possibilidades que não foram proporcionadas a outros. Acompanhar os projetos do início ao fim, procurando avançar e aprender a cada passo realizado e com os diferentes projetos trabalhados.

 

Bibliografia:

EDWARDS, Carolyn; FORMAN, George; GANDINI, Lella. As cem linguagens da criança: A abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.