A leitura em questão

Há uma diferença muito valorosa entre saber ler e saber decifrar. Os dois termos jamais poderiam ser confundidos, uma vez que seu embaraço traria discussões e novas concepções sobre a capacidade própria e coletiva diante de um texto escrito.

Como boa parte do mundo usufrui e fabrica textos — de forma funcional, evidente — a partir do instante que se pergunta se se sabe ler, os olhos se abrem para realmente ver se a resposta para tal pergunta é um sim. Afinal, como poderia o homem, depois de tanto tempo em evolução, observar que, na verdade, não consegue mais que enxergar letras em textos? Passa-se então a levar em conta o poder da palavra “decifrar”. Pode-se, sim, ler algo, porém, não é garantida a compreensão deste algo se não houver a decifração.

Ler não é apenas fazer jus ao caráter linear da linguagem, correr os olhos da esquerda para a direita, vindo de cima para baixo; é preciso mais do que isso para se dizer leitor de qualquer coisa. Muito se confunde também acerca da leitura pronunciada e da oralização; esta não deve significar somente a exteriorização do que já foi entendido na leitura, mas deve denotar a construção de uma cadeia oral advinda do que foi escrito. Para isso, os interessados leitores devem ser iniciados no universo textual para aproveitar informações intensas sobre a leitura, formações básicas, ciência das diferenças textuais e o grau de proximidade com a essência do que verdadeiramente são leitura e texto.

Fala-se muito no desafio da democratização do acesso à informação aos textos escritos. Claro que isso só pode ser alcançado se, porventura, ações forem criadas para tentar diminuir, ou, pelo menos, remediar o problema do analfabetismo e dos baixíssimos graus de letramento.

Hoje, discuti-se também sobre a idéia da desescolarização da leitura. Tal neologismo permeia a hipótese de que não se deve usar o livro sem saber; carece-se aprender a manipular o livro, vergá-lo sob moldes pessoais, não apenas lê-lo de qualquer forma, mas aplicar unidades lógicas próprias e tê-lo como fator de formação intelectual de seu leitor. Coerente, hoje em dia, seria acabar com a idéia de que livros são presentes de leitores para leitores; esse preconceito (ou mais um mito concernente à língua e seus derivados) tornaria difícil a reversão do quadro de analfabetismo, mesmo o funcional.

Para que a filosofia da universalização da leitura seja bem seguida, é necessário que se aposte no indivíduo desde seus primeiros anos de vida em contato com livros e afins. Projetos pedagógicos incentivadores e campanhas de sustento ao acesso de produções textuais seriam considerados avanço e revolução perante o desenvolvimento da leitura.

Não só a escola tem de realizar seu papel de alfabetização e obtenção de conhecimento, como também o âmbito familiar deve lutar pelo ingresso de leitores cada vez mais interessados em livros e demais letras, já que a alfabetização começa em casa. A sala-de-aula precisa ser a complementação do que está sendo levado no lar. Seria bom se os dois fossem locais de estímulo à descoberta e à criação de textos, a fim de alcançar um certo aperfeiçoamento da leitura e um engajamento maior, como o exemplo do crescimento da técnica da escrita a nível social.

Obviamente, isso pode sair da estado de utopia se tudo for seguido de uma maneira que gere bons atos para transformar o que já cansa. Porque o errado seria regredir passos e ações, ao esquecer que não se deve apenas ensinar e ler, mas ensinar também a viver o texto e a essência de suas letras.

Se o homem nunca parou para pensar nisso, será que ele realmente sabe se sabe ou não ler?