Resenha do livro "A escrita: memória dos homens"

O livro, A escrita: memórias dos homens, publicado pela editora Objetiva em 2008, foi escrito pelo francês Georges Jean, escritor e professor honorário de linguística geral e semiologia na Universidade do Condado de Maine (Le Mans). A obra, num primeiro momento, chama a atenção por sua diagramação. Sua reprodução foi feita com certo esmero, em papel couché, o que valorizou as imagens contidas no livro. Essas, impressas em cores, possuem resolução de qualidade, possibilitando vislumbrar até mesmo os detalhes mais minimalistas. Georges Jean, através de um estudo diacrônico, compartilha com o leitor informações até então de fácil acesso apenas a estudantes ou pesquisadores na área da linguística histórica, assim, o autor possibilita aos mais “leigos” o conhecimento acerca da história da escrita no mundo e consequentemente, sua própria história. Dividido em seis capítulos muito bem desenvolvidos, o autor trata de assuntos em uma ordem cronológica linear, partindo das primeiras escritas sumérias, o cuneiforme, relatando padrões na própria escrita como também padrões relacionados aos perpetradores da mesma, ressaltando que mesmo nesta área, a hierarquia era determinante no que tange ao se deter um conhecimento e partilhá-lo, ou não, com as classes consideradas “inferiores”, o que não difere tanto assim da contemporaneidade. Dentro de cada capítulo, Georges também abre espaço para subtítulos, desenvolvendo de maneira nada enfadonha, os diversos fatos a serem abordados dentro de uma mesma temática. Dos capítulos temos, o Capítulo 1 - Um nascimento humilde, Georges nos leva até às regiões entre o Eufrates e o Tigre, na Mesopotâmia, onde conhecemos as disparidades da língua dos sumérios e acadianos e a necessidade de se criar um meio de comunicação buscando facilitar a comercialização entre estes povos e seu desenvolvimento. Surgem, assim, as placas de Uruk, onde eram contabilizados, através de símbolos (cuneiformes) os registros de comercialização agrícola. O autor também explicita, de maneira detalhada e de fácil compreensão, como se dava a interpretação da escrita cuneiforme e os instrumentos utilizados para reproduzir as inscrições. No Capítulo 2 - Uma invenção dos deuses, nos é apresentada a escrita desenvolvida pelos egípcios - os hieróglifos, a escrita dos deuses. Através de imagens de papiros (cuja significação também é abordada durante a leitura), afrescos e inscrições perpetradas nas paredes dos grandes templos, podemos nos aproximar da experiência visual fascinante vivenciada pelos primeiros pesquisadores do assunto. Neste capítulo, também é abordado o surgimento dos pictogramas chineses e sua evolução através dos séculos. Como já se deixa explicitado no título do Capítulo 3 - A revolução do alfabeto, a escrita passa por um movimento revolucionário. Através dos fenícios, a escrita passa a comportar características relacionadas ao “falar”, sons ou fonemas que são perceptíveis na língua falada quando consoantes (tidas como únicas constituintes do alfabeto) estão ao lado de vogais, que são pouquíssimas nas línguas hebraica e árabe. Também nos é apontada a evolução do alfabeto passando por essas últimas até chegar aos rudimentos latinos. Dando sequência neste capítulo que, particularmente, trata-se do mais imprescindível por discorrer mais detalhadamente sobre a mudança na escrita, do sumério passando pelo fenício, hebraico, árabe, etíope e os tuaregues - o tifinagh, chegamos ao entendimento de como os gregos constituíram seu alfabeto tomando por empréstimo consoantes do aramaico e como

consequência, o surgimento de uma rica literatura e seus gêneros. Ao final do capítulo, encontramos um mapa que data, em ordem cronológica, o surgimento das escritas, utilizando da referência visual para reforçar o aprendizado por parte do leitor. Temos, no Capítulo 4 - Dos copistas aos impressores, a criação do pergaminho e do velino e suas especificações (origem, feitura) até chegar às mãos do pergaminheiro ou copista, todos elementos bem detalhados de modo a permitir que o leitor visualize, mentalmente, todo o processo. Em um dos subtítulos estruturados ao longo do capítulo, o específico “Calígrafos, iluminadores, miniaturistas e encadernadores: os monges copistas tornam-se artistas, e seus trabalhos, obras- primas” – que já fala por si, mas, é importante mencionar a riqueza de detalhes sobre o trabalho primoroso executado por estas pessoas. Neste capítulo, é também muito citado o imperador Carlos Magno e suas bem-feitorias para a escrita. Os Editores é o Capítulo 5 e faz um levantamento primoroso sobre o momento em que nascem as estirpes dos impressores. O capítulo também aborda sobre Gutenberg, Diderot, Plantin dentre outros, precursores da imprensa industrial. Fechando o ciclo, o Capítulo 6 - Os Decifradores, faz um pequeno memorial sobre a vida de Jean-François Champollion, egiptólogo de renome, conhecido como o “pai da egiptologia”. Continuando a leitura, Georges cita e ilustra “um dos testemunhos mais incontestáveis do gênio humano”, a Grammaire égyptienne, ou Gramática egípcia, contendo material reunido por Champollion ao longo de dez anos, publicado posteriormente à sua morte. Da odisseia dos decifradores do cuneiforme que, em 1905, com François Thureau-Dangin, é apresentada a tradução da primeira escrita, o sumério, passando pela escrita linear cretense, os signos da Ilha de Páscoa, as runas escandinavas e o gaélico, Georges encerra o capítulo com uma reflexão sobre a escrita e a sua beleza que tanto encantou e tem encantado editores, decifradores, leitores e também a evolução em sua objetivação. A dinâmica do livro são as notas distribuídas ao longo das páginas. Rompendo com aqueles padrões dos livros teóricos em que as notas se encontram nos rodapés da página ou são direcionadas para o final do livro, no A Escrita, encontramos notas nas laterais das páginas que, não somente explicativas, como também imagens que endossam o que se é dito. Após encerrar os capítulos, o leitor ainda encontra para complementar a leitura findada, testemunhos e documentos, para sanar qualquer dúvida sobre a autenticidade do que lhe foi oferecido do início até o fim da obra. Enfim, no conjunto da obra, é perceptível o empenho, a dedicação não somente por parte do autor como também do grupo editorial, para que este livro não fosse mais um compendio de informações para leitura obrigatória no mundo acadêmico, que será abandonado em uma estante ao fim do ano letivo, vai muito além disso. Para os estudantes da área de Letras, um verdadeiro banquete de referências bibliográficas. Para os amantes da história e da leitura por conhecimento ou pura fruição, esta obra só tem a agregar.

JEAN, Georges. A Escrita: memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. 160p.: il. - (Descobertas).

vwoolf
Enviado por vwoolf em 24/11/2020
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