"O príncipe", bem mais atual do que imaginamos

"O príncipe", de Nicolau Maquiavel, aborda sobre as possíveis condutas que um principado ou Estado (novo, antigo, misto, hereditário ou eclesiástico) deve possuir para que tenha sucesso e este o seja duradouro. Na obra em questão, organizada depois de anos de estudos, análises e conclusões sobre as quedas de alguns impérios e, consequentemente de seus governantes, Maquiavel discorre sobre as principais conquistas e suas incontestáveis derrotas, ressaltando o que houve de positivo e negativo durante a empreitada, instrumentos e estratégias utilizadas, acordos construídos - ou seja, o que corroborou para o tal êxito ou derrota. A grosso modo, ela servia como uma espécie de material auxiliar para a guerra (pois é!), utilizado como consulta ou apoio por aqueles que pretendem ou pretendiam conquistar terras, poder, glória. Conforme o trecho "Os principais alicerces de todos os estados, tanto novos como velhos ou mistos, são boas leis e boas armas", (2011, p. 97), o autor deixa claro que ambas são indispensáveis para que se adquira o respeito do povo e dos estrangeiros; fica evidente, porém, que o 'respeito' em questão não é nada mais que o medo, visto que estamos falando em contextos de guerras territoriais.

Apesar de se tratar de principados e as diferentes formas e meios de alguém (seja um cidadão comum, estrangeiro ou mesmo hereditariamente) tornar-se um príncipe amado e temido (mas não odiado) e um bom administrador - características nem sempre concomitantes a um único homem - era/é tarefa quase impossível. Ao trazermos tais aspectos para os dias atuais, mesmo agora prevalecendo a forma de governo republicana, os mecanismos usados para se chegar a liderança de um povo não divergem muito dos usados em períodos de disputas territoriais. Ao afirmar que "os homens ferem ou por medo ou por ódio" (2011, p. 65), explica-nos que sempre há um motivo para os homens ferirem-se, quando menciona medo - ameaças, não demonstrar fragilidades; ou ódio - por maldade/violência, o autor cita vários exemplos de príncipes que matavam seus súditos, soldados ou outras lideranças por mera maldade, por serem ruins, pela simples vontade de matar - e estes, evidentemente, findavam seus governos rapidamente, pois nem era amados, nem temidos, mas odiados.

Vale ressaltar que n"O príncipe" a honestidade do governante é também mencionada como um empecilho para sua estabilidade. Como percebemos no trecho "Um príncipe que quer manter o seu estado é frequentemente obrigado a fazer o mal, pois, quando aquele de quem precisa para manter o poder - seja ele o povo, os soldados ou os poderosos - é corrompido, você precisa seguir aquilo que ele quer e, assim, as boas ações o prejudicarão" (2011, p. 150-1). Infelizmente, é notório que isso foi perpetuado de poder em poder, governo em governo, época em época, pois mesmo nos dias vigentes há casos nos quais determinados chefes de estados nem se quer são capazes de fazer seu trabalho devidamente, decentemente, atuar conforme a legislação exige e o povo espera - uma vez que muitos estão em dívida com quem os ajudou a se colocarem no poder (grandes empresários, banqueiros...).

Sendo assim, mesmo depois de séculos de sua publicação, seus pareceres e ensinamentos - a seu modo e interpretados no contexto atual - têm muito o que ensinar e prover reflexões sobre o que faz, de fato, um homem tornar-se líder de Estado - que acordos estão por trás, quem se beneficia, por que este ou aquele é a melhor opção, como o povo o ver...são situações tão antigas quanto atuais e que põem em xeque a governabilidade dos homens ao longo dos tempos.

"Existem duas formas de contestar: uma através das leis e a outra através da força. A primeira forma é própria do homem, a segunda, dos animais."

"O príncipe", de Maquiavel.

Fonte:

MAQUIAVEL, Nicolau (1469-1527).

O príncipe. Nicolau Maquiavel (trad. de Dominique Makins). São Paulo: Hunter Books, 2011. (208p.)