Antologia do conto moderno

ANTOLOGIA DO CONTO MODERNO
Miguel Carqueija

Resenha da antologia “Obras-primas do conto moderno”. Livraria Martins Editora, São Paulo-SP, 5ª edição, 1957. Seleção, introdução e notas: Almiro Rolmes Barbosa e Edgard Cavalheiro. Retratos de Armando Pacheco.

O CAVALHEIRO DE SÃO FRANCISCO, por Ivan Bunin (Rússia).Tradução de Benvinda Caires. Conto sobre um burguês apenas nomeado como “o cavalheiro de São Francisco” (isto é, da importante cidade do oeste norte-americano) que resolve passar dois anos de férias na Europa, em companhia da esposa e da filha, e acaba morrendo de mal súbito num hotel de Cápri. Vale mencionar esta interessante observação do autor: “ainda hoje as pessoas ficam mais surpreendidas com a morte do que com qualquer outra coisa e nunca querem acreditar que é verdade”. O restante são as dificuldades da família para dar um tratamento decente ao corpo e transportá-lo para a América.
AMY FOSTER, por Joseph Conrad (Polônia/Inglaterra). Este longo conto retrata o drama de imigrantes que por vezes são atraídos por falsas promessas. É um enredo extremamente triste porém baseado em fatos reais. Sintam: “As narrativas dos naufrágios dos velhos tempos nos descrevem muitos sofrimentos. Muitas vezes os náufragos se livraram da morte por afogamento para morrer miseravelmente de fome numa costa estéril; outros padeciam morte violenta ou eram submetidos à escravidão, convivendo durante anos de existência precária com gente para quem só por serem estranhos eram objetos de suspeita, de horror ou medo”.
Preconceito, xenofobia, racismo, são o cerne do conto. Yanko emigra de um lugar na Europa Oriental pretendendo chegar à América, terra de riqueza segundo se dizia. Nada sabia do mundo, a jornada se faz em precaríssimas condições, o navio naufraga na Inglaterra e ele aí fica retido, sem conhecer o idioma e tido como louco e perigoso. A Amy do título apieda-se dele, mas a história seguirá num desenvolvimento trágico.
UM MÁRTIR, por George Duhand. Um soldado, Branche, tem uma revelação, durante a Primeira Guerra Mundial. Da trincheira ele grita para os alemães irem embora, já que foram enganados; mas é gravemente ferido e morre algum tempo depois. Todavia os alemães surpreendentemente recuam, vão mesmo embora. O que houve? Um milagre? O autor deixa aos leitores essa questão intrigante.
TRÊS DIAS DE VENTO, por Ernest Hemingway. Dois amigos conversam interminavelmente numa casa de campo. O diálogo que entre outras coisas fala numa namorada perdida, é maçante e cansativo.
O SORRISO DA GIOCONDA, por Aldous Huxley. História policial em torno de um personagem sem caráter, Hulton, que engana várias mulheres e termina vítima de sua própria irresponsabilidade, acusado e condenado por um crime que não cometeu. É a história habilmente contada de um erro judiciário.
CONTRAPARTES, por James Joyce. Vinheta em torno de um sujeito fanfarrão e irresponsável que começa sendo leviano no trabalho e desrespeitando o patrão, e termina espancando o próprio filho. É curioso como autores muito famosos podem nos decepcionar quando os lemos pela primeira vez. Não consegui ver sequer um sentido social para essa história.
RIKKI-TIKKI-TAVI, por Rudyard Kipling. Como sabemos, nas histórias de Kipling os animais costumam falar e têm seus nomes, e não postos por seres humanos. Rikki-tikki é uma jovem mangusta que “adota” uma família humana e passa a protegê-la das cobras venenosas que, na Índia, são muito comuns, e também protege os passarinhos. O conto é fascinante.
A LENDA DA ROSA, por Selma Lagerloff. Eu não conhecia esta autora sueca, Prêmio Nobel de Literatura em 1909. O conto é uma lenda de Natal que fala num salteador banido numa floresta, onde vivia com a esposa, e de um abade que lhe traz a redenção, e de flores que nascem milagrosamente. É uma bela história.
TOBIAS MINDERNICKEL, por Thomas Mann. O protagonista é um homem misterioso e de comportamento imprevisível. O conto é por demais cruel para que eu possa gostar.
CHUVA, por Somerset Maugham. História que versa sobre a hipocrisia humana. O autor, inglês nascido na França e posteriormente radicado nos Estados Unidos, é por demais famoso e apreciado, e um excelente analista da natureza humana.
Esta história se passa — como muitas outras dele — nos mares do Pacífico Sul, e fala de um pastor protestante que, de passagem por um território colonial, concentra sua atenção numa mulher de má fama, levando-a à humilhação. Todavia a história caminha para um desfecho trágico e patético ao mesmo tempo. Conto longo e de alta qualidade.
O MAL-ENTENDIDO, por André Maurois. Uma história muito triste sobre um desencontro amoroso. Maurois é um autor sobejamente conhecido. Entretanto o seu personagem, o velho Senhor Neuville, ao recordar o passado deixa escapar uma injusta generalização:
“Quanto a mim, mostrava pelo casamento a mesma aversão natural em todo homem moço (sic) e a quem a liberdade reservava prazeres sempre renovados.”
“A vida me havia ensinado a acreditar muito pouco na virtude das mulheres.”
E esse modo de pensar levará o personagem ao fracasso no amor e a uma vida de melancolia.
O JARDINEIRO TIMÓTEO, por Monteiro Lobato. Pequeno conto muito triste sobre um jardineiro preto que por muitos anos cuidou com carinho de um jardim, consagrando a sua vida a uma família branca abastada. Era alforriado, lembremos que Lobato escrevia numa época em que a escravidão ainda era recente.
Infelizmente ele exagera na maneira como Timóteo é tratado pelos novos donos após a venda da fazenda. Mas dá para entender a queixa do velho jardineiro: “Branco não tem coração...”
QUATRO CÃES FIZERAM JUSTIÇA, por Giovanni Papini. Vinheta meio estúpida, onde um homem se vinga de um inquilino (a coisa não está bem explicada) incômodo, esnobe e luxurioso. O final deixa a incógnita sobre os fatos posteriores.
A BONDADE DOS ESTRANHOS, por Pearl S. Buck. História triste sobre uma moça que esconde a gravidez da mãe e até do namorado que se recusa a assumir um casamento e não lhe resta outra opção que entregar a criança a um casal estranho, com ajuda de um médico.
O REGRESSO DE JOÃO BARTOK, por Erich Maria Remarque. Um prisioneiro de guerra é dado como morto e após muitos anos consegue regressar à sua casa, descobrindo que sua esposa casara com outro e tinha inclusive dois filhos. Texto muito triste sobre a condição humana.
O LUTADOR FILIPINO, por William Sarvyan. História cômica sobre um lutador filipino que, declarado perdedor por trapaça, recusou-se a aceitar a derrota e sair do ringue. Segue-se uma confusão fenomenal. Dá para rir.
CABEÇA EM BRONZE VERDE, por Hugh Walpole. Cuta fábula envolvendo a Deus, resolvendo a situação de algumas personalidades. Não alcancei o propósito desta obra.
LEPORELA, por Stefan Zweig. Trabalho bastante trágico e pessimista deste famoso autor austríaco que se fixou no Brasil, onde se suicidou em 1943. Este conto, aliás, termina pelo suicídio da protagonista, uma mulher sem atrativos, doméstica que acaba se enamorando pelo patrão — fato que, dada a sua pouca compreensão das coisas, acabará levando à tragédia.

Rio de Janeiro, 13 de setembro a 13 de outubro de 2019.