Sobre uma antologia de Ellery Queen

SOBRE UMA ANTOLOGIA DE ELLERY QUEEN

Miguel Carqueija

 

Resenha de “Ellery Queen Antologia” nº 9ª (?). Idéia Editorial, São Paulo-SP, agosto de 1977. Tradução de Alberto Maduar, Ana Ayres, Ana Maria Domingues Luz, Antonia Regina Luz Fenerich e Cláudia Carina.

 

Quem conheceu a célebre revista dirigida por Ellery Queen (pseudônimo de dois primos escritores) nos tempos em que a edição brasileira era publicada pela Livraria Globo, de Porto Alegre, terá razão em se queixar. Pois nesta antologia há sérios erros de composição, com diálogos diferentes nos mesmos parágrafos, por exemplo. Além disso, não se sabe porque, estão ausentes as informações de “copyright” e data de publicação original que nunca faltavam na “Ellery Queen”. Fora isso, para uma antologia a seleção não é tão boa assim, como veremos:

PONSOBY E AS PALAVRAS DO MORTO (Alan K. Young) — Toda essa história gira em torno das palavra de um moribundo que, balbuciadas com dificuldade e mal entendidas por três testemunhas, poderiam inocentar ou condenar um suspeito. O Professor Ponsoby descobre que a interpretação das palavras tinha relação com os estudos que o falecido (também professor) desenvolve sobre a obra de certo escritor. História desinteressante.

MÉTODO 3 PARA MATAR (Rex Stout) — De longe a melhor história do volume. Rex Stout criou dois dos mais conhecidos detetives particulares da ficção: Nero Wolfe (gordo, arrogante, cultivador de orquídeas) e Archie Goodwin, seu empregado. Na verdade é ele que narra cada história e vive meio às turras com seu patrão, e também com o Inspetor Cramer.

O ambiente é Nova Iorque, onde o excêntrico porém competente investigador Nero Wolfe nem sai de sua casa, uma mansão, deixando o serviço de campo para Archie Goodwin, que narra em primeira pessoa dando as suas opiniões em geral sarcásticas. Aqui tudo gira em torno de um cadáver de mulher dentro de um carro, estacionado em frente à residência de Nero Wolfe. E o fato é descoberto no dia em que Archie, irritado com Nero, pede demissão e se retira mas não consegue ir além da escadaria, pois aparece uma cliente que quer por força o seu serviço. Para piorar ela tem relação com o automóvel e conhece a pessoa assassinada, mas nega ser a assassina. E a polícia chega em seguida. Archie e Nero estão num angú de caroço.

Rex Stout escreve narrativas de grande charme conseguindo criar um detetive antipático porém brilhante (Nero Wolfe) e outro, Archie Goodwin, já classificado como “um Dr. Watson que rouba a cena a seu Sherlock Holmes”.

O GRANDE GOLPE (Berkely Mather) — Conto inusitado onde certo Fenton, certo de que seu conhecido Coomber cometeu assassinato na Índia 26 anos atrás, durante a guerra (1941), procura por ele para estorquir uma grande quantia em dinheiro. Mas comete um lamentável engano e a coisa não sairá como esperada. Vale a pena ler. Embora rato de histórias policiais, não conhecia esse autor.

A ESTRADA SEM NOME (William Bankier) — História meio absurda que envolve psicopatas e suas armadilhas. Não é chocante, é patético, com desfecho inesperado, mas a trama é meio forçada com uma hospedeira que não tem criados e só aceita um hóspede por vez. Não convencendo no início, o conto não convence até o fim.

A SOMBRA DO LAÇO (John e Ward Hawkins) — História de acusação falsa, com o detalhe de se tratar de julgamento militar num caso de homicídio: a morte de uma garota. O soldado Alan Pomeroy é injustamente acusado pelo assassinato e seu advogado, o segundo-tenente Peter Cameron, convencido de que o julgamento está sendo mal conduzido, aborda o Major-General Daniel B. Sissan e tenta convencê-lo das irregularidades que podem resultar na execução de um homem inocente. Aparentemente foi uma burrada que colocou em má situação o próprio advogado, todavia pode-se esperar uma reviravolta. Conto razoável, que representa crédito no ser humano.

ELE SEMPRE FOI UM BOM MENINO (John D. McDonald) — Este conto — aliás, curto — é um tanto estranho, todo feito de reminiscência: um vizinho relata o que sabe sobre um jovem da vizinhança e seus pais — ele e a esposa conheceram esse jovem quando ainda era bem criança. Os próprios filhos do narrador brincaram com Jimmy, o garoto em questão. O estranhamento é que, levando uma vida aparentemente bem normal, inclusive chegando à faculdade, Jimmy termina matando garçonetes, revelando-se um psicopata sem razão aparente.

O autor parece querer passar uma mensagem sobre a vida moderna e esse despertar da violência gratuita. Eu diria que isso tem muito a ver com não ensinar religião aos filhos — mas McDonald nada fala sobre religião.

A MORTE NO VÍDEO (Ed McBain) — Noveleta assinada por um autor que não me é estranho e que encerra este volume cuja seleção a meu ver não é das melhores.

Aqui os investigadores são policiais de um tal “Recinto 87” em alguma cidade grande norte-americana, e o caso envolve a morte misteriosa de um famoso comediante, Stan Gifford, transmitida ao vivo pela televisão, durante a apresentação do seu programa, assistido por 40 milhões de pessoas. Aparece um bom número de personagens entre detetives, profissionais da mídia e médicos, mas apesar da tentativa de originalidade a narrativa, embora segura, segue os padrões do gênero sem vôos mais altos. Basicamente a investigação se concentra no hora em que os efeitos do veneno se fazem sentir e a que horas ele teria sido ingerido; e se o caso era de assassinato ou suicídio.

Há algumas pistas falsas, pessoas que mentem sem serem autoras do crime; mentem por outras razões.

A história pode ser lida com tranquilidade, embora não desperte muito entusiasmo.

 

Rio de Janeiro, 21 a 29 de outubro de 2021.