Terra Santa: jóia da literatura portuguesa

TERRA SANTA: JÓIA DA LITERATURA PORTUGUESA

Miguel Carqueija

 

Resenha do livro “Terra Santa: evocação dos seus caminhos”, por Leonardo Coimbra, Filho. Livraria Tavares Martins, sem endereço, 1967; impressão na Imprensa Portuguesa, Porto. Capa: Capela do Santo Sepulcro. Contra-capa: Via Romana em degraus.

 

Obra volumosa, de grande porte e mais de 350 páginas, este surpreendente livro adornado por pranchas de fotografias revela um autor de grande sabedoria e capacidade de expressão. Leonardo Coimbra, Filho fala das últimas palavras que ouviu de seu pai, o também escritor Leonardo Coimbra. O autor, então recém-convertido ao Catolicismo, achava-se enfermo, corria o ano de 1936: “Meu pai, regressando à Fé da sua infância, confessava-se, comungava e recebia o sacramento do matrimônio pelas mãos do Padre Cruz”.

E as últimas palavras ouvidas de seu pai — que veio a morrer inesperadamente — foram: “Só uma coisa me resta e me interessa ainda fazer: escrever um livro sobre Jesus Cristo. Quando estiveres curado partiremos os dois para a Terra Santa”.

Vinte e sete anos depois o filho realizou a viagem que o pai não pôde fazer. E ao palmilhar os maravilhosos caminhos da Terra Santa, Leonardo Coimbra Filho foi escrevendo páginas de ouro, reflexões maduras e sagazes sobre o trajeto de Nosso Senhor neste nosso mundo.

Profundamente impregnado da Fé Cristã, o autor lusitano enxerga claramente que Jesus Cristo nos chama a uma radical opção: “Ou Jesus é o que tudo concorre para confirmar que seja, e que merece e requer a nossa total anuência e adesão; ou não passa da mais dramática ilusão da História, porque desviou e iludiu o destino de milhões de homens em cada geração. São mais de quinze milhões de mártires reconhecidos pela Igreja, e um número incalculável de heróis desconhecidos, que seriam frustrados na mais válida e fecunda experiência humana. (...) Se Jesus não disse a verdade, e não é a própria Verdade viva, então nada pode merecer crédito nas relações humanas e a vida perde o sentido e o valor definitivo, não passando de um mau sonho em soturna floresta”.

Mesmo sendo mais que um livro de viagem, “Terra Santa: evocação dos seus caminhos” faz descrições vívidas dos locais bíblicos, objeto de tantas pesquisas arqueológicas: “Em Jerusalém nada é aprazível aos sentidos, tudo se dirige ao espírito. (...) Cidade e ruas estreitas e de velhos pavimentos, puídos pela passagem de gerações inumeráveis, com as suas paredes espessas de prédios silenciosos, tem o ar gélido de um cemitério imobilizado no tempo. Entrando pela porta de Santo Estevão e seguindo pela estreita rua que se encaminha para a Via Dolorosa, vamos atravessar uma vasta superfície, outrora ocupada pela Torre Antônia (...) Mergulhamos num belo e espaçoso jardim onde se ergue a Igreja de Santa Ana, em primeiro plano e, ao fundo, o caótico amontoado de ruínas arqueológicas de uma igreja bizantina e de uma igreja construída pelos cruzados”.

Assim o autor vai entremeando a narrativa cinematográfica de seu turismo com brilhantes reflexões apologéticas. Afinal vamos nos sentindo mais familiarizados com a Palestina e mais próximos de nosso Redentor:

“À hora da canícula, em plena tarde dardejante, entramos no jardim que envolve a igreja franciscana de Emaús na aprazível frescura de um oásis. A exploração arqueológica conduzida pelos Padres Franciscanos permitiu a descoberta de instalação do tempo dos cruzados, por sua vez assentes sobre vestígios de habitações bizantinas e romanas.”

Leonardo Coimbra Filho escreveu um livro instrutivo, substancial e empolgante, onde não falta a tranquila segurança de quem encontrou uma Fé que, ao contrário do que dizem os descrentes, nada tem de cega:

“A Hóstia Consagrada, erguendo-se sobre o Mundo, é como um poderoso sol atraindo, em maré alta, toda a criação resgatada e espiritualizada para o seio da Trindade divina, inesgotável e infinito oceano de Doação total e de encontro permanentemente renovado.”

Raramente encontrei um livro tão valioso e cuja leitura não cansa, apesar da grossura do volume.

 

Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2022.

 

Nota: sei que caiu o acento agudo de "jóia" mas acho que fica estranho sem ele, de tal modo ressoa a abertura da letra "o".