Como ser (ou não) um drogado

Assim como em Quarto de despejo de Carolina Maria de Jesus, o livro Eu, Christiane F. de Kai Hermann e Horst Rieck é uma obra de utilidade pública. Ninguém melhor do que aquele que tem conhecimento empírico para falar com propriedade sobre algum assunto. O amor exigente trata-se de um grupo de co-dependentes, o narcóticos anônimos trata-se de um grupo de toxicômanos assim como o alcoólicos anônimos. Se um psicólogo compreende o que se passa com um dependente químico através de depoimentos do próprio, ele jamais saberá se o dependente não contar com honestidade. Porque só existem dois meios de saber, o empírico e o recolhimento de depoimento honesto. Nesse caso, só a observação deixa a desejar porque pode ser mal interpretada.

No livro de Christiane F. os depoimentos recolhidos não poderiam ser mais crus. Um misto de compaixão e raiva permeia a leitura. A sua infância conturbada, as mudanças de cidade, de casa, de escola, de turma. A fase mais complicada da vida e as consequências da invalidação de sentimentos, repressão, incompreensão, julgamentos, críticas, agressão emocional e física, ambiente familiar e social frequentado.

Como uma pessoa se torna uma drogada, que chega a se prostituir mesmo quando repete pra si mesma que jamais faria isso?

Na medida que você avança na leitura fica se perguntando "mas ela já tá na merda, tem jeito de piorar?".

É um livro que todo mundo a partir de 10 anos deveria ler. Tanto mais pré adolescentes quanto principalmente pais e futuros pais. Porque a ligação com a família é fator predominante para a entrada no mundo das drogas, no entanto, isso não exime os demais fatores que são: lugar onde vive e habita (bairro, escola) — situação socio-econômica, turma (colegas, primos, etc.), tempo livre (onde, com quem, e fazendo o quê).

Quando a PM vai nas escolas com o intuito de instruí-los para a prevenção do uso de drogas, isso talvez surja efeito contrário, já que a adolescência é a fase da rebeldia, do contra. A intenção é boa mas pouco efeito tem sobre o que é mais importante quando se trata de prevenção: um ambiente familiar harmônico, compreensivo, empático, compreensivo, livre de julgamentos e críticas, com validação de sentimentos, diálogo, limites, autonomia e responsabilidade, sobretudo, divertido.

Quando um adolescente prefere ficar na rua sob qualquer custo do que ficar em casa, alguma coisa está errada. É um forte indício de que lhe falta algo em casa e portanto o procura na rua.

Christiane chega a nos causar pena tamanha sua carência. Qualquer migalha de atenção a comprava. Ela não tinha liberdade para conversar em casa, não tinha um porto seguro. A rua a acolheu, outros como ela a acolheram, as drogas deram o conforto que ela desconhecia onde mais poderia encontrar.

O livro é envolvente e emocionante, quando menos se dá conta você já leu cinquenta páginas.

"Minha família era a turma. Com eles, eu encontrava amizade, ternura, algo parecido com amor. Só o beijinho na chegada jpa me parecia uma coisa fantástica. Todos davam e todos recebiam um pouco de ternura e amizade. Meu pai nunca me beijou assim. Na turma não havia problemas." pag. 59