Resenha: "O leitor do trem das 6h27" de Jean-Paul Didierlaurent

O leitor do trem das 6h27

Autor: Jean-Paul Didierlaurent

O pequeno livro ao custo de 15,00 em uma livraria local, com seu título em tanto diferente, e seu prenúncio de boa história, me conquistaram aos primeiros olhares. Desfolhar o livro e percorrer a história com o passar desses dias me foi uma terapia e um passatempo que os bons livros são capazes de ofertar. Guylian, afogado em sua vida enfadonha, triste e com poucos amigos, com um emprego que ele odeia, com pessoas repulsivas e amigos excêntricos ainda é capaz de encontrar saídas para sua fome de literatura, de cores, de amores, quando lê diariamente no trem de ida ao emprego, o trem das 6h27. Mas o fato de Guylian ser o leitor do trem das 6h27 tem pouca importância diante do que se desenrola ao redor de Guylian a partir de seu gosto pela leitura e de seu ato de ler em voz alta no trem. Quando começa a visitar um lar de idosos que adoram escutar suas leituras, seu estado emocional começa a mudar. Quando ajuda a dar sentido a busca de seu amigo Giuseppe, ele se vê ligado de uma maneira profunda à essa outra pessoa, e isso parece dar um motivo a mais à vida de Guylian. E quando encontra o pendrive com os escritos de Julie no trem, então tudo parece se encaixar na vida de Guylian, que se vê enfim dotado de um novo sentido à sua vida, em um estilo "a vida dá seu jeito": encontrar essa literata incrível e sarcástica que é Julie, uma pessoa que vive uma vida tão comum como ele, mas que é especial de um jeito único. Me lembrou muito alguns conselhos que recebi de amigos e psicólogos: a vida lhe trará as oportunidades no tempo certo.

Por certo, devo destacar as outras qualidades desse romance: brinca, o tempo todo, entre o estilo do romance, e outros estilos literários, como o conto, a poesia e o teatro. Não precisa ser um entendido em literatura francesa nem em línguas para entender o romance, mas quem é dessas áreas vai se divertir bem mais. O humor existencial e trágico do enredo é muito bom. A troca de uma leitura leve e humorada por referências mórbidas e chocantes ocorre de uma forma muito natural. A escrita flui muito bem, e a leitura é prazerosa.

Agora devo destacar os outros sentidos do livro: primeiro, o texto evoca uma rebeldia submersa ao controle das nossas vidas por aquilo que nos aprisiona e nos faz servir de marionetes. No caso do livro, é rotina de trabalho de Guylian na usina, que lhe aprisiona e lhe tira "as cores" do viver. A presença "da Coisa" na usina e sua principal função "aniquilar" é quase uma parábola quando vemos que o que "a Coisa" destrói são livros usados ou não vendidos. A parábola é bem simples de interpretar: o modo de produção atual, com sua ânsia de lucro e consumismo, consome nossa imaginação, nossa arte e cultura, e nos deixa uma vida sem cores, mecânica e mórbida. Outras críticas sociais e comportamentais surgem ao longo do texto: a estética pessoal, o trabalho, falar com estranhos na rua, a separação entre classes, entre outros assuntos. Alguns assuntos até surgem de modo polêmico, de modo que o autor apenas nos apresenta o problema e nos deixa a sós com ele, sem querer resolver a questão.

Os pontos a fazer uma crítica construtiva é que: sendo um romance de estreia do autor no estilo, percebe-se uma ânsia de explorar o estilo procurando os mesmos efeitos de estilos mais curtos, o que as vezes parece entregar um autor que se aventura no estilo, como um iniciante. Esse é ponto que é ao mesmo tempo a força e a fraqueza do romance de Didie. Também um outro ponto é que a leitura nos dá um gosto de querer saber mais desse universo de Guylian, mas o tempo do romance é bastante curto para explorar esse universo. O tempo é adequado, e foi feito para a história de Guylian terminar em breve, mas fica parecendo que podia ter mais. E podia? Aliás, podia ter mais de Giuseppe e Guylian no final, embora a deixa para pensarmos o futuro dos dois seja dado ao leitor. O encerramento com Julie é maravilhoso, e deixa um gosto de querer conhecer o que ela faz em seguida.

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