Machado de Assis em desfile

 

MACHADO DE ASSIS EM DESFILE

Miguel Carqueija

 

Resenha da coletânea “Contos consagrados”, de Machado de Assis. Edições de Ouro, Tecnoprint Gráfica, Rio de Janeiro-RJ, sem data. Edição escolar, a preço mínimo. Biografia do autor por M. Cavalcanti Proença.Estudo introdutivo: Ivan Cavalcanti Proença.

 

Pode parecer uma heresia, mas Machado de Assis não é o meu autor brasileiro favorito. Qualquer coisa me incomoda no seu estilo de se dirigir ao leitor, do modo largado como ele se expressa; mas já li muitos dos seus textos.

Aqui temos uma seleção dos seus contos, bastante famosos.

AS ACADEMIAS DE SIÃO – Hoje conhecemos este país como Tailândia. O conto é uma sátira política, das intrigas palacianas onde uns falam mal dos outros e vice-versa, mas sempre pelas costas; soma-se a isso uma troca de identidade entre o Rei Kalaphangko e sua concubina Kinnara, cujas almas trocam temporariamente de corpo utilizando alguma invocação antiga. Prodígios desse tipo ocorrem em vários filmes, inclusive no recente “Sailor Moon Eternal” (2021).

A IGREJA DO DIABO – É o que o próprio nome diz, o diabo vem à Terra e funda sua própria religião, com a esperança de assim atrair mais pessoas. Ensina o contrário das virtudes e por fim fica perplexo porque as pessoas se mostram erradas e certas ao mesmo tempo, ou seja, tanto praticavam pecados como virtudes. Achei esse conto extravagante, escrito só para concluir que o ser humano é contraditório.

A CARTOMANTE – Essa história é tragicômica, com o Camilo namorando em segredo a Rita, esposa do Vilela, seu grande amigo. No meio de tudo uma cartomante e seu palpite errado. O final é telegráfico e surpreendente.

CANTIGA DE ESPONSAIS – O drama de Romão Pires, um velho maestro muito estimado mas cujo desgosto íntimo é não conseguir compor uma música sequer. Machado de Assis costuma ser cruel nas suas histórias, inclusive nessa.

A DESEJADA DAS GENTES – Outro conto bastante cético, onde um sujeito narra ao seu amigo as desventuras do seu amor por certa Quintília, que morava com o tio, era solteira, já chegada aos 30 anos e muito cortejada, mas que recusava todos os pretendentes. O narrador perde a amizade com um outro amigo que também desejava Quintília; ao fim, tudo parece uma tolice e uma perda de tempo. Ela aceitava a amizade mas, em relação ao casamento, teria uma aversão física — o que realmente pode acontecer na vida real.

NOITE DE ALMIRANTE – História de promessa de amor rompida e da desilusão do marinheiro que retornando depois de meses de serviço na corveta, descobre que sua prometida está com outro homem. Como sempre, o ceticismo de Machado com relação à natureza humana.

MISSA DO GALO – Nesta vinheta um rapaz de 17 anos — narrando o caso muito tempo depois (Machado gostava de usar a primeira pessoa) — fala de sua hospedagem, no Rio de Janeiro, em casa de contra-parentes, e enquanto fazia hora para ir na Missa do Galo travou estranha conversa com a dona da casa, mulher casada. A história parece brincar com desejos ocultos e irrealizáveis.

UNS BRAÇOS – Outro conto estranho, onde um adolescente de quinze anos trabalha na casa de um solicitador (algo a ver com a Justiça, deve ser palavra em desuso) e sua esposa. Ora, entre Inácio (o garoto) e Dona Severina havia uma atração silenciosa e oculta, além de impossível. Em geral os personagens de Machado de Assis não são muito normais.

O ENFERMEIRO – Conto que pode até entrar em revistas policiais, pois envolve um crime de morte. Um moribundo confessa um tenebroso segredo da sua vida, ou como herdou uma fortuna em consequência de um crime. História um tanto deprimente.

CONTO DE ESCOLA – O protagonista-narrador conta um desagradável incidente da sua infância: pego em flagrante fornecendo cola em troca de uma moeda, leva uma surra de palmatória do irado professor. Depois, porém, na rua, esquece tudo e acompanha uma parada de fuzileiros. Coisa bem de criança. Felizmente passou o tempo da palmatória, horror dos colegiais.

UM APÓLOGO – Essa história é muito boa e eu a li em criança, numa antologia escolar, sem nem saber quem era Machado de Assis. Uma agulha e um novelo de linha discutem para saber quem é melhor. Um conto admirável, exemplar.

 

Rio de Janeiro, 7 de setembro de 2022.