Uma ficção científica brasileira obscura

 

VIAJANTES DO TEMPO (resenha)

 

Miguel Carqueija

 

 

AUTOR: GLÁUCIO SANTOS DOS REIS

 

Editora Shogun-Arte, Rio de Janeiro, 1984 - capa do autor

 

 

 

 

Ao largo dos movimentos organizados da Ficção Científica Brasileira – o que hoje chamamos “fandom” – existem manifestações isoladas de autores que publicam, inclusive, seus livros individuais, e não ficam conhecidos. Nem mesmo pelo fandom.

Quem conhece Gláucio Santos dos Reis?

Embora este livro não seja volumoso, lê-lo por inteiro foi um exercício de paciência.

A novela, como é óbvio, fala sobre viagem pelo tempo. Três jovens cientistas brasileiros, Laura, Rômulo e Raul, constroem uma cabina ou cápsula que viaja pelo tempo. Na sua primeira viajem, porém, acabam indo parar em outro planeta, no ano 4995. E nesse outro planeta descendentes dos terrestres vivem em luta com os Saurions, que são aqueles reptilianos inteligentes e bípedes, como se vê em tantos filmes “geniais” de ficção científica...

A idéia de analisar esse livro é tão desanimadora que optei por pinçar alguns trechos. Vejam só:

Páginas 9/10: “A corrida é inútil: quando chegam à porta do templo, deparam com guardas, que lhes apontam suas armas de raios laser. Raul e Laura nada podem fazer. Qualquer reação, agora, culminará com a morte dos dois, pelos lasers dos estranhos répteis humanoides. Eles são conduzidos a uma passagem lateral, que leva a uma galeria de túneis subterrâneos. Quatro das criaturas seguem com eles. Pelo caminho, encontram esqueletos e ossos, de pessoas que ali morreram sob tortura. Alguns passos mais e eles param. Raul é encostado a uma parede, para ter os braços amarrados com fortes correntes de ferro.”

Pg. 25: “Truam vacila. Hayark inicia a tortura, a mesma que aplicara em Vert. Palmina é a atingida. Truam não suporta ver-lhe o sofrimento. Mas sabe que se der a Hayark a localização do esconderijo da sua tribo, ou seja, Vale Vermelho, conduzirá a espécie humana à extinção. Sabe que, de qualquer forma, ele e sua amada, Palmina, morrerão pela fúria dos homens-répteis. Sabe do ódio mortal que os saurions têm pela tribo que não conseguiram derrotar. Contudo, é muito difícil para Truam ver Palmina sofrer. Ele fala a Hayark:

— Pare! Chega, Hayark! Eu falo!”

(Comovente, não?)

Pg. 42: “Os primitivos correm para receber o alimento, mas o que se dirigiu para Raul não deu importância à comida. Entretanto, Raul afasta-se, mansamente. Duas lágrimas caem dos olhos do “primitivo”. Laura percebe:

— Está chorando!” (brilhante dedução...)

Pg. 69: “À tarde, uma tropa comandada por Térix retorna do deserto para o vale, trazendo cinco saurions como prisioneiros.

— É mais fácil derrotá-los usando armas de raios — explica Térix.

Raul, Truam e Áricles chegaram há poucos minutos. Rômulo interroga os prisioneiros sobre as peças perdidas da “cápsula do tempo”. Ameaçado de morte por seus captores, um saurion fala:

— Vi a tropa do Centurião Vert levar uma caixa pequena, com artefatos metálicos, para o templo de Hayark.”

Pg. 83: “Preparem-se, guerreiros! Vamos partir para a batalha! Destruiremos o império de Hayark! Vistam as fardas brancas, para nos diferenciar de nossos inimigos! Armem-se e corram para os cavalos! Barlius precisa de nós!

Depois, dirige-se aos visitantes:

— Realmente, não acreditei na capacidade de Barlius. Se eu tivesse imaginado que ele iria mesmo atacar com tudo, teria ajudado desde o início.

— Obrigado, Manitaule! — agradece Gremoi.”

E chega, não? Porque é assim o tempo todo.

Depois de ter lido milhares de contos, romances e novelas, de FC e outros gêneros, confesso que nunca topei com algo tão IGUAL do princípio ao fim.

 

NOTA: esta resenha foi escrita em 21 de junho de 1991 e inicialmente publicada no fanzine Megalon, de São Paulo, editado por Marcello Simão Branco, dentro da coluna que eu assinava, “Galeria do Tempo”, onde comentava livros de ficção científica. A editora Shogun-Arte publicava obras mediante financiamento dos autores. O final da minha resenha eu cortei por considerar, a distância de mais de trinta anos, que exagerei um pouco na crítica.

Quanto ao autor, nada mais sei dele, a não ser que seu nome aparece na relação de concorrentes ao Prêmio Jeronymo Monteiro, que pouco antes da minha análise fôra promovido pela extinta revista IAM (Isaac Asimov Magazine), ou seja por volta de 1990.