Ícone e outras seleções de livros

 

ÍCONE E OUTRAS SELEÇÕES DE LIVROS

Miguel Carqueija

 

Resenha da Biblioteca de Seleções, edição de 1998, de The Reader’s Digest Association, Inc., e Readers Digest Brasil, Ltda. Sem endereço (?)

 

Eu já fui fã da Biblioteca de Seleções cuja origem remonta, se não me falha a memória, à década de 50. Depois de certa época, porém, e aos poucos, ela foi cedendo à mentalidade tóxica da modernidade. Cada vez mais os livros condensados foram sendo escolhidos entre obras da contra-cultura, com libertinagem e o que é pior, violência política e afim. E quando entra na seara da política é mostrando conspirações mirabolantes da extrema direita (nunca da esquerda) ou, numa variante policial, da Ku-Klux-Kan já em época moderna. O primeiro sintoma que vi disso foi em “Sete dias de maio”, que saiu na década de 70. E quando não entram tais fatores são casos policiais repletos de detalhes sórdidos.

ÍCONE (Icon), por Frederick Forsyth. – Bantam Doubleday Dell Publishing Group, 1996. Tradução: Alves Calado. Versão original brasileira: Editora Record S.A.

Apresentando alguns personagens da vida real — Margaret Tatcher chega a ter uma fala — esta novela de espionagem conta uma história absurda passada na Rússia após a derrocada da União Soviética. Com eleições chegando em 1999 certo Igor Komarov, que surgiu do nada, surge como o candidato da “ultradireita” e planeja secretamente levar todos os judeus à morte. Há dois outros candidatos, sendo um deles o governante e o outro um “neocomunista” (?).

O Ocidente, apenas preocupado com o ultradireitista, manda seu super-agente Jason Monk, e ele consegue desbaratar toda a trama e derrotar os caras maus, de forma absolutamente inverossímil. E tudo isso pontilhado por uma narrativa sem densidade, estilhaçada em muitos ambientes e personagens. É bem o típico livro produzido para as listas dos mais lidos (“best-sellers”), superficial, violento, moralmente vazio e maniqueísta.

Eu já conhecia esse autor que é famoso, mas travei quando tentei ler “O dossiê Odessa” nos anos 70. O que me travou foi a cena em que o personagem central tem ereção.

A FUGA DE NATHAN (Nathan’s run), de John Jilstrap, Harper Collins Publishers, Inc., EUA, 1996. Tradução: Mauro Pinheiro.

Outro romance de ação estilhaçada entre muitos personagens e excesso de violência e sordidez, sem uma mensagem clara. Nathan é um menino de doze anos que foi posto num estabelecimento correcional pelo tio pervertido, após a morte do pai do menino, que já era órfão de mãe, além de filho único.

No reformatório um dos guardas tenta matar Nathan que, por sorte, consegue matar o sujeito e fugir do estabelecimento. O detetive Warren Michaels, da polícia de Brookfield, é chamado para o caso. Entram em cena alguns personagens bizarros, como o promotor J. Daniel Petrelli (e por que o primeiro nome na inicial?), elaborado como um típico fascista de direita. Sobre ele fala o policial Jed Hackmer:

“Ele vai processar o menino Bailey como se fosse um adulto e jogá-lo na prisão para o resto da vida. Quando foi pressionado por uma repórter, disse que não descartava a pena de morte.”

Outra figura intragável, mas apresentada como uma espécie de heroína, é a repórter radiofônica Denise Carpenter, “a Vadia” (sic), representante da contra-cultura na história; “Firmou sua posição a favor da mulher decidir pelo aborto quando as circunstâncias o justificassem (???), mas sugeriu que fossem acusadas de homicídio as pessoas que participassem de um aborto — inclusive pais e médicos — quando o procedimento fosse usado unicamente como meio de controle da natalidade”. Ora essa, o aborto também é realizado como um sacrifício de bebês inocentes ao “deus” da lascívia, mas isso parece que nem passa pela cabeça do autor.

De resto, numa narrativa enjoativa, deparamos com uma polícia violentíssima contra um menino, detalhes sádicos de violência e uma história sórdida sobre um tio corrupto que só quer do sobrinho a herança. Uma novela verdadeiramente lamentável.

DE VOLTA AO LAR (A place to call home), por Deborah Smith. Bantam Books, 1997. Tradução: Alves Calado.

Embora não chegue aos extremos dos dois romances anteriores, este também acaba se revelando trabalho de contra-cultura. Por exemplo, nessas obras está consagrado o amor livre: se um homem e uma mulher começam um relacionamento amoroso, vão para a cama. Em geral, nenhuma referência ao “risco de gravidez”.

O romance de amor entre Claire Maloney — que narra na primeira pessoa — e Roan Sullivan domina o livro. Uma vasta família domina as montanhas da Geórgia. Já Roan é filho de um bêbado desclassificado e tarado, vestido com roupas sujas e por essas coisas mal visto na vizinhança. Mas seu natural é bom e justo e fascina a menina Claire desde que ela tinha cinco anos. E, por fazer alguns favores e defender Claire, acaba sendo adotado pelos pais desta quando o Big Roan — o pai do menino — é preso. Infelizmente acontecem coisas que irão separar Roan e Claire, e esta levará mais de vinte anos para reencontrá-lo.

Até há um certo estofamento para uma boa história de amor começada numa infância inocente, mas a autora paga o seu tributo à contra-cultura ao culto da violência e da sordidez. Por exemplo, não havia necessidade de Roan matar o próprio pai para impedir que Claire fosse estuprada. Outras baixarias que acontecem ao longo da trama são também desnecessárias, criando um clima desagradável e a certa altura já tem ares de dramalhão de novela de tv, brasileira ou mexicana. A autora força a barra na inverossimilhança e complica demais a história com obstáculos difíceis de entender ou aceitar. E há pontas soltas, como o caso da mulher assassinada pelo marido psicopata; não se fica nem sabendo se ele foi preso.

O GAVIÃO-PESCADOR (The flight of the osprey/O vôo da águia pesqueira), por Ewan Clarkson. Forge Books, EUA, 1995. Tradução: Sylvio Gonçalves.

É a melhor história, ou a menos ruim. Tem um interesse ecológico, ao tratar do retorno do gavião-pescador na Grã-Bretanha. “No final do século XIX, mesmo as colinas altas deixaram de oferecer refúgio contra armadilhas, espingardas e veneno; assim, por volta do começo da Primeira Guerra Mundial, o gavião-pescador estava extinto na Inglaterra.”

Décadas após já havia um esforço apreciável de preservação e essa ave começou a reaparecer na Escócia e Inglaterra. O texto acompanha a trajetória de um jovem macho e depois também da fêmea que com ele acasala. Durante algum tempo, ferido na asa, o macho, que até tem nome na história (Iasgair; anotando que animais não têm nome na natureza), é cuidado por algum tempo por uma mulher e um homem. A narração se divide em dois focos principais e a parte menos interessante é o difícil romance entre os dois seres humanos.

No final das contas o romance é fraco e só tem de mais interessante a parte das aves de rapina; os humanos são personagens pífios.

 

Rio de Janeiro, 5 a 10 de outubro de 2022.