As oito badaladas

 

AS OITO BADALADAS

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance policial “Arsène Lupin e as oito badaladas do relógio”, por Maurice Leblanc. Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda. (Selo Princips), Jundiaí-SP, 2021. Título original francês: “Le huit coupe de l’orloge”. Tradução: Cecília Padovani.

As oito narrativas aqui contidas formam um romance. Utilizando o pseudônimo de Príncipe Rénine, Arsène Lupin conhece certa jovem, Hortense Daniel, e a ajuda numa complicação de família, inclusive livrando-a de um relacionamento enganoso e de um tio pérfido. A partir daí, julgando-se apaixonado, Lupin propões um estranho jogo, o de que Hortense o acompanhe em diversas aventuras relacionadas com as badaladas de um relógio. Ele mesmo, ante a pergunta “Quem é você, exatamente?”, responde filosoficamente: “Um aventureiro. Nada mais. Um amante das aventuras. A vida não vale a pena viver, exceto em momentos de desafios, nas aventuras de outros ou em aventuras pessoais”.

Lupin na verdade é um anarquista, galhofeiro e que frequentemente zomba da autoridade constituída. Além disso os seus envolvimentos amorosos são efêmeros. É um personagem meio irritante, pois exerce uma influência algo hipnótica, domina as pessoas com seu poder de persuasão e com as mulheres é um autêntico Don Juan.

É verdade que Lupin combate criminosos, assassinos, indivíduos inescrupulosos, mas a sua moral é duvidosa.

As diversas peripécias do livro não acrescentam grande coisa à série. O episódio “O filme de contos de fadas”, por exemplo, mostra Serge Rénine (Lupin) suspeitando que certo ator de cinema nutre uma paixão de psicopata pela atriz do filme em que atuaram juntos. O desfecho porém é surpreendente.

Capaz de deduções à Sherlock, Lupin também age por impulsos e palpites, e o tempo todo, num cabotinismo superior ao de Hercule Poirot, afigura-se quase o único, entre os diversos personagens, que tem o dom de raciocinar.

Considerado um fora-da-lei, usa e abusa das identidades falsas e muda de amores como um James Bond.

“O caso de Jean Louis” ilustra bem como na série de Lupin são comuns os mistérios tenebrosos de família, que sufocam pessoas. No caso, duas mulheres dão à luz na mesma casa, quase ao mesmo tempo, e na confusão a enfermeira põe os recém-nascidos no mesmo berço, um deles morre e a mulher não lembra de quem é filho o sobrevivente. Um problema e tanto, que Lupin terá de resolver.

Eu tenho minhas restrições a Lupin, mas as suas histórias despertam algum interesse.

 

Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2022.