As máscaras e os retratos

 

AS MÁSCARAS E OS RETRATOS

Miguel Carqueija

 

Resenha do livro “Máscaras e retratos”, por Fernando de Azevedo. Edição Melhoramentos, obras completas do autor, volume V, 1ª edição de 1929, 2ª edição revista e aumentada, 1962.

 

A Melhoramentos — fazendo juz ao seu nome — sempre foi muito zelosa na publicação de obras com forte conteúdo cultural. Nesta linha encontra-se esta coleção dedicada inteiramente a um autor de grande lastro, embora eu mesmo o desconhecesse. Fernando Azevedo — segundo o frontispício do volume, Professor da Universidade de São Paulo — assina dezenas de livros e este, que estou examinando, é suculento, com mais de 200 páginas, o que não parece muito, só que o formato é grande e as letras pequenas.

No subtítulo deste livro que encontrei num sebo em 2007, e só agora li: “Estudos literários sobre escritores e poetas do Brasil”. Curiosamente, encontro também o carimbo “Cortesia das Edições Melhoramentos”, ou seja, um exemplar para divulgação.

O livro é interessantíssimo como uma compilação de críticas literárias escritas na década de 1920, onde Fernando de Azevedo demonstra a sua erudição; todavia, em detrimento da objetividade, pois demora-se longamente em hipérboles com as quais pretende descrever a psicologia dos autores estudados, e com detalhes que nem eles haveriam de suspeitar, pouco falando no conteúdo das obras assim “resenhadas”.

Só para dar uma amostra, vejamos o que ele diz a respeito de Amadeu Amaral:

 

“Mas, sob a sua fisionomia aparentemente enigmática, ou antes equívoca, o que se oculta, na verdade, e não tarda a revelar-se é um temperamento sensível e inquieto, vibrátil e idealista, a cujos ímpetos a timidez natural opôs uma barreira bastante alta para não ser escalada pelas paizões. Não sendo desses que, como escreveu Jules Leforge, “têm o coração acima da cabeça”, reúne às fraquezas de uma índole afetiva os nobres impulsos de uma grande alma. (...) Por menos que pareça, com não sei que de indiferença e vacilação que denunciam espírito de renúncia, é antes um afirmativo, que tem o zelo da independência viril (?), o gosto e a coragem das opiniões definidas e cálida empatia, um pouco sentimental, pelas grandes coisas.”

 

E ao longo de seis páginas, pretendendo criticar três livros desse autor Amadeu Amaral, Azevedo vai prosseguindo nesse estilo exagerado, com adjetivação pesada, numa verdadeira verborragia; mas o livro todo é assim.

Fico imaginando cada autor descrito dessa maneira bombástica, perguntando espantado: “Mas como é que ele sabe tanta coisa a meu respeito, que nem eu sabia?”

Entre os escritores analisados está o grande Paulo Setúbal, hoje injustamente esquecido. Também são criticados livros de Coelho Neto, Gilberto Freyre, Júlio de Mesquita Filho e diversos outros.

É obra interessante, para ser lida pacientemente, se for possível aguentar a narrativa barroca, ou seja, entulhada numa profusão vocabular até desnecessária, embora reveladora da cultura do autor.

 

Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2022.