O homem ao quadrado - Leon Eliachar

O homem de Eliachar podia ser ao cubo, ao quadrado, ao meio ou ao zero, mas o humorista era dez com louvor

Leon Eliachar - O homem ao quadrado, São Paulo, Círculo do Livro, s/d

O que é um biquíni? Para Leon Eliachar (1922-1987) era mais do que um maiô de duas peças de dimensões reduzidas, era “um pedaço de pano cercado de mulher por todos os lados.” Já que o biquíni mostrava muito de uma mulher, como é que um homem poderia se exibir se não estivesse na praia de sunga, mas tratando de negócios, por exemplo? Através de seu cartão de visitas, ou seja, o “pequeno mostruário de nossas vaidades.” E isso também se aplicaria a uma mulher caso ela portasse um.

Mas nem tanto a uma mulher dos anos 1960, quando mulher era quase sinônimo de dona de casa, que é o que estaria escrito em seu cartão de visitas se ela o ostentasse. Pelo menos as casadas; as mais jovens eram brotos ou brotinhos, as mais velhas, balzaquianas.

Entre 1960 e 1969 Eliachar escreveu inúmeros textos humorísticos, que eram crônicas, frases engraçadas, pensamentos, pequenas histórias (que hoje poderiam ser chamadas de microcontos), jogos de perguntas e respostas, consultório sentimental etc. Além de fazer muito humor gráfico por meio de desenhos, montagens e colagens de fotos ou ilustrações, embalagens de produtos etc. Era um humorista profundamente criativo, talentoso, imaginativo. Comparável a ele no Brasil praticamente apenas o também genial Millôr Fernandes (1923-2012).

Os textos, os desenhos, as montagens, as criações de Eliachar viraram cinco livros e O Homem ao Quadrado é um deles. O volume tem bastante humor gráfico, como outros dois dele que li recentemente: O Homem ao Cubo e O Homem ao Zero. No presente volume, entre os capítulos 13 e 14 há algumas páginas em branco que ele chamou de INTERVALO, isso na década de 1960 devia ser muito curioso, e até mesmo um tanto inusitado para o leitor de humor.

A mim, no entanto, essa “técnica” lembrou outro livro engraçado e criativo, mas do século XVIII, A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, do inglês Laurence Sterne, onde o leitor, dentre outras novidades para aqueles tempos, sentia a falta de algumas páginas propositalmente subtraidas; o humor de Sterne, humor britânico logicamente, influenciou Machado de Assis e muita gente boa mundo afora.

Tendo nascido no Cairo (Egito) e morando no Rio de Janeiro desde pequeno, Leon Eliachar dizia que era um “cairooca”. O Homem ao Quadrado começa nessa toada e vai engraçado até o final. Agora seria interessante reproduzir algumas pequenas anedotas de suas páginas. Estas:

“O homem se casa por descuido. A mulher, por precaução.”

“Quando dois psiquiatras estão conversando, a gente fica sempre querendo adivinhar qual dos dois é o paciente.”

“Senhora advertida pelo guarda, depois de avançar o sinal: ‘Vi o sinal, sim senhor; o que não vi foi o senhor’”

“Anúncio inglês – Indivíduo solitário procura senhora também solitária para tomarem juntos o chá das cinco: o primeiro de uma série.”

Bem, cada um lê o que quer, do jeito que quer, mas o indivíduo que deixa de ler Eliachar, se divertir um tanto e até refletir por vezes, porque suas anedotas podiam ser machistas, homofóbicas e até mesmo racistas, e algumas vezes eram mesmo, está se esquecendo do tempo em que ele as escreveu, de um país de mais de 60 anos atrás, e desse modo supostamente se torna tão preconceituoso quando ele por desconhecimento dos processos sociais e históricos pelos quais passa uma nação.

O humor politicamente incorreto foi praticamente banido do país; por outro lado, os políticos corruptos não deixaram de desviar dinheiro público, por vezes escondendo-os na cueca ou entre as nádegas, escolas, mais parecidas com estábulos continuam caindo aos pedaços, saúde, transporte e segurança permanecem precários, aumentaram sensivelmente os crimes de feminicídio e os de gênero e também os casos de racismo explícito e até mesmo o número de negros assassinados por policiais etc.

Certamente não era assim que queriam este país Millôr Fernandes e tampouco Leon Eliachar, dois de nossos mais brilhantes humoristas. Certamente nossas mazelas não vão acabar ou diminuir por decreto presidencial ou por decisão monocrática de algum soberbo ministro do Supremo proibindo certo tipo de humor, o humor inteligente e criativo que Millôr e Eliachar faziam. Enquanto isso em Brasília, mentir descaradamente (pra não dizer coisa pior) está liberado...