Diário de um pároco de aldeia - Georges Bernanos

Seria o jovem pároco assim, um São Francisco francês?

Georges Bernanos - Diário de um pároco de aldeia, SP, editora Paulus, 2000

Primeira metade do século XX (o livro é de 1936): jovem e humilde pároco de aldeia do interior francês pretende registrar em seu diário uma conversação entre Jesus Cristo e ele, "um prolongamento da prece, uma forma de contornar as dificuldades da oração..." Mas o que é que seu diário revela? Como ele próprio reconhece, "o desmesurado lugar que ocupam, em minha pobre vida, essas mil pequeninas preocupações de todo dia, de que me julgava liberto." São justamente elas, ao lado das outras, as grandes questões espirituais propriamente, que tornam este livro interessante de se conhecer ainda hoje em dia.

O padre é fundamentalmente devotado a Cristo, à igreja e a seus paroquianos, especialmente àqueles mais pobres, a maioria. Leva uma vida miserável, sua batina é puída e remendada, às vezes mal tem o que comer. Sente fortes dores no estômago, um tormento. Prossegue anotando em seu diário pensamentos, reflexões, impressões, conversas que teve com superiores, paroquianos, autoridades etc. São observações que faz sobre sua vida, a dos outros e sobre a vida em geral. Às vezes se arrepende do que escreveu ou pensou, rabisca ou rasga fora alguma página. Ele é demasiadamente humano...

Registra ainda que sua luta espiritual resulta ineficaz naquilo que entende ser seus esforços para melhorar a vida dos pobres paroquianos. Fisicamente ele também se mostra cada vez mais fraco: luta contra uma doença estomacal grave; os fofoqueiros locais atribuem sua fraqueza à embriaguez - na verdade lhe faltam forças para enfrentar a faina diária; quase tudo que ingere lhe faz mal. Suporta apenas molhar o pão em vinho aquecido misturado com açúcar; vinho de péssima qualidade - o único que pode comprar...

Depois, seu papel na conversão de uma condessa rica, que morre de repente, agrava a sua ambivalência moral e motiva a repreensão de seus superiores, bem como da família da mulher. Seu estômago piora, e ele procura ajuda médica na cidade de Lille. Mas parece ser muito tarde já...

As últimas páginas do livro apresentam alguns belos trechos do jovem pároco conversando com o médico que foi consultar, este também a um passo da eternidade. E são comoventes os cuidados que lhe são dispensados por um antigo colega e sua companheira (ele, um ex-padre) quando a doença se mostra mais agressiva.

O jovem pároco me lembrou demasiadamente São Francisco de Assis (ainda que fosse aquele que está em minha cabeça, claro). Um dos muitos méritos do livro de Bernanos.