A filha do coveiro - Joyce Carol Oates

Uma história longa e viciante e que por suas qualidades tem tudo para se tornar um moderno clássico americano

Joyce Carol Oates - A filha do coveiro, RJ, editora Alfaguara, 2008

A Filha do Coveiro é verdadeiramente, como diz a sinopse na Amazon, um romance épico, uma saga familiar que se inicia por volta de 1936 e vem até os anos finais do século XX. Nela, Joyce Carol Oates conta a história de Rebecca Schwart e seus familiares: pai, mãe e dois irmãos um pouco mais velhos do que ela. A garota nasceu num navio no porto de Nova York quando a família Schwart chegava nos Estados Unidos fugindo da perseguição nazista: eles eram judeus alemães. Essa história se transforma numa saga porque são quase seiscentas páginas a ler e que, em sua maioria, trazem cenas dramáticas, violentas, algumas até mesmo cheias de horror.

A vida decente que a família esperava encontrar no novo país não se verifica; para sobreviver o pai, que era professor de matemática na Alemanha, vê-se obrigado a aceitar um emprego de baixo salário e consequentes privações: torna-se coveiro numa pequena cidade interiorana, preconceituosa e violenta. Essa situação transforma os Schwart em pessoas extremamente infelizes, vistas como párias pelos demais, o que aos poucos acaba conduzindo o pai à loucura. A família toda parece fadada ao desastre. O que vai lembrar aquela conhecida frase do Tolstoi, de Anna Kariênina, de que as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira, que cai como uma luva nessa história. É sofrimento que não tem fim, que parece insuperável.

Rebecca escapa do desastre familiar, muda de cidade e tenta recomeçar a vida. Casa-se precipitadamente com um homem mais velho e um tanto misterioso, por quem se apaixona perdidamente. Com ele tem um filho, Niley, mas depois o marido se revela tão violento quanto o pai dela, talvez pior. Foge novamente e adota um nome falso (Hazel Jones) para si e para Niley (Zach Jones) e tenta reconstruir sua vida bem distante dali. Desse modo, a leitura se torna viciante: depois de tantos acontecimentos dramáticos queremos saber que destino terá a jovem em sua busca pela felicidade. Oates consegue manter a atenção do leitor o tempo todo com sua escrita habilidosa, clara, bastante fácil de acompanhar. Obra foi merecedora de elogios de autores tão diferentes como Michael Connelly, de O Poder e a Lei (não li) e Michael Dirda, do ótimo O Prazer de Ler os Clássicos.

Connelly escreveu que “Com A Filha do Coveiro, Joyce Carol Oates nos deu sua obra-prima, um testamento absolutamente arrebatador sobre a capacidade de superação do espírito humano.” A história arrebata o leitor desde o início; é, como eu escrevi acima, uma narrativa viciante, que só interrompemos por necessidade mesmo. Dirda registrou que "Oates não é apenas uma escritora realista; ela é também uma artista do sublime, capaz de reunir tanto o assombro quanto a grandiosidade." Tem razão: tudo o que acontece à moça, os suplícios, os momentos de medo e terror por que ela passa, assim como o filho, são perfeitamente críveis; seu marido, no caso, se torna um demônio sob certas circunstâncias, como ocorreu com o pai dela. E esses fatos nos assombram pela dimensão grandiosa que adquirem.

Já que citei Tolstoi antes, o livro de Joyce Carol Oates, autora que leio pela primeira vez, não se encontra no mesmo nível das obras que o russo genial escreveu, claro. Embora me pareça que dentro de algum tempo será considerado um moderno clássico americano, se já não o é em seu pais. E talvez, ainda antes do final do século, ele adquira o mesmo lastro que Anna Kariênina adquiriu com o passar do tempo. São conjecturas, posso muito bem estar enganado, não sei... Por ora, sei que apreciei bastante esse calhamaço, sem dúvida.