A Casa dos Náufragos - de Guillermo Rosales

São os náufragos cubanos; e a casa um asilo particular americano situado, em Miami, num gueto de cubanos exilados, fugidos de Cuba comunista, pós-revolucionária, cujo povo está sob a foice e o martelo de Fidel Castro.

William Figueras, escritor cubano, leitor de Proust, Hemingway, Fitzgerald, Ionescu, Albee, e de outros nomes importantes e respeitáveis da literatura moderna, e de poetas ingleses, William Blake, Byron, Coleridge, John Keats, reunidos em um volume, que ele está sempre a compulsar, de poesia romântica inglesa, louco, insano, é deixado, após seus familiares o abandonarem, por uma sua tia, a Clotilde, numa "boarding home", o asilo, cujos náufragos aí recolhidos são loucos, e dentre os mais estranhos, os mais bizarros, anomalias, dir-se-ia, da natureza, retratos da perdição humana, da miséria humana, daquilo que o ser humano tem de mais asqueroso, mais podre - e não estou a me referir aos internos, unicamente: os administradores do asilo são dois tipos repulsivos, imundos, Curbelo, o administrador, e Arsenio, o imediato, homem doentio, que exploram os, e abusam dos, doidos, cujos familiares os deixaram (direi melhor se dizer abandonaram) sob os cuidados deles, mas eles, maldosos, são indiferentes aos males que os afligem e que lhes infligem: mantêm-los mal cuidados, mal lavados, Curbelo exclusivamente interessado no dinheiro que o governo americano lhe disponibiliza e os familiares deles lhe entregam, regiamente, todo mês, jamais se desincumbindo das tarefas que os contratos o obrigam a oferecer aos internados.

A violência é a tônica do relato, esquelético, desprovido de meios-tons, de penumbras; não há luz; há sombras; há escuridão, que não oculta a cru realidade no asilo: revela-a, iluminando-a. Não há romantismo no relato de um narrador que ama poetas românticos ingleses. A secura da aridez das descrições do cenário e das personagens, e dos episódios, que se sucedem num ritmo alucinante, vertiginoso, febril, é apropriada para revelar a feiúra, e a imundície, do universo descrito.

Estão a sofrer os horrores de sua insanidade, nas mãos de homens sãos, e inescrupulosos, além de William Figueras, os náufragos Pino, e René e Pepes, e Reyes (velho caolho, de um olho a vazar plasma pestilento, e que urina em todo lugar), e Louie (um Hércules americano), e Tato, e Hilda (velha decrépita que Arsenio sevicia, sodomiza), e Eddy (estudioso de política internacional), e Napoleão (um anão), e Ida (a grande dama arruinada), e Frances (moça pela qual William Figueras apaixona-se e quase vem a matar ao apertar-lhe, com as mãos, o pescoço, em mais de uma ocasião), e outros tipos humanos doentios, estranhos, cuja condição revela a decadência do espírito humano, um dos aspectos da essência humana, dir-se-ia um dos seus dons, a loucura, a deficiência intelectual, e a mental, que incomoda os sãos, que os faz se atormentarem, sofrerem ao assistir à miséria dos loucos e a tremerem à perspectiva de porventura enlouquecerem. Os tipos humanos dos náufragos expõem o que é o ser humano em sua condição de loucos - e mesmo loucos promovem maldades -; e Curbelo e Arsenio, dois homens sãos, expõem o que há de pior nos humanos: a maldade. Inescrupulosos, ambos: Curbelo, explora um empreendimento ao qual se dedica para extrair o dinheiro que lhe oferece os meios para usufruir de uma vida de conforto e comodidades; e, Arsenio, homem abrutalhado e grotesco, e estúpido, e animalesco, e doentio, maltrata os indefesos internos. E estes dois personagens inspiram-nos a pergunta: Quantos Curbelos e Arsenios há no mundo?

O ambiente do asilo é imundo. A alimentação que aos internos se oferece, pouca, e indigerível: os porcos a rejeitariam, enojados. É o asilo uma ilha, e não a ilha paradisíaca dos contos de aventuras, mas uma ilha infernal, repleta de imundícies e seres diabólicos; e nela os egressos cubanos de outro inferno, o da ilha-cárcere de Fidel Castro, o paraíso socialista, comunista, vivem um inferno.

Na edição que li, da Companhia das Letras, encerrada a história que nos conta Guillermo Rosales, lê-se "Guillermo Rosales ou a Cólera Intelectual.", de Ivette Leyva Martinez, que dá aos leitores a conhecer um pouco da comovente história do desgraçado e infortunado escritor cubano.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 30/04/2023
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