Os imperfeccionistas - Tom Rachman

Nascimento, vida e morte de um jornal: um livro "espetacular" para o NYT

Tom Rachman - Os imperfeccionistas, RJ, editora Record, 2011

Em 2010, no lançamento de Os Imperfeccionistas, do ex-jornalista inglês Tom Rachman, The New York Times escreveu que o livro era nada menos que espetacular. Havia um pouco de exagero na afirmação, mas não de todo. Ao intercalar as cativantes histórias de onze personagens, todos de alguma forma relacionados com um diário internacional, com a história desse mesmo periódico -- fundado nos anos 1950 e que foi publicado durante mais de meio século --, Rachman entregou aos leitores um livro altamente envolvente. Não apenas no conteúdo, também na forma.

A história do jornal em língua inglesa sediado em Roma e vendido em todo o mundo tem início em 1953 e termina em 2007. Ele acabou porque não foi bem administrado, não se modernizou, ficou parado no tempo. Não se valeu das novas tecnologias, da internet e das redes sociais, da ascendente cultura pop e foi prejudicado pela queda do número de leitores de jornais impressos, fato ocorrido em todo o mundo, que também afetou as revistas. Rachman conta essa história aos poucos, em cerca de duas ou três páginas no final de cada capítulo, exceto o último, um pouco mais longo.

Cada capítulo traz uma manchete (sensacionalista) em letras maiúsculas, como num jornal de verdade, que muito pouco tem a ver com o que se lê em seguida. Isso porque vai tratar da vida, da rotina diária, dos problemas, alegrias, tristezas, enganos e decepções de um personagem específico do jornal, não exatamente do fato que gerou a notícia e sua manchete. Assim, a história do correspondente em Paris, Lloyd Burko, e seu estranho relacionamento com a mulher, também com o filho francês, é intitulada "Popularidade de Bush despenca mais nas pesquisas". Os problemas pessoais e profissionais do obituarista Arthur Gopal podem ser encontrados em "Mentiroso mais velho do mundo morre aos 126 anos". As desventuras de Winston Cheung, correspondente no Cairo que supostamente sabia falar árabe fluentemente mas não, podem ser conhecidas sob o título de "A vida sexual de muçulmanos extremistas", e assim por diante.

Todos os personagens ou suas histórias encontram-se interligados pelo fato de trabalharem para o jornal, o que dá unidade ao livro que, mesmo parecendo às vezes uma coletânea de contos é, de fato, um romance. Ou um romance em contos, como preferem alguns. Há ainda o caso curioso de uma leitora do periódico, uma senhora italiana de 58 anos que coleciona todas as edições e as lê inteiramente, da primeira até a última página, também seus anúncios. Porém como isso toma muito tempo sua leitura (atualização dos fatos) está atrasada em cerca de 20 anos ou mais. Ela é a rica e um tanto neurótica Ornella de Monterecchi: sua história está contada no capítulo intitulado "Termina a guerra fria, começa a quente".

Alguns capítulos têm final antológico: podem terminar com uma vingança, uma surpresa, uma anedota etc. Além da história da leitora Ornella, são especialmente curiosas (ou engraçadas ou coisa parecida) as seguintes: "Pesquisa aponta que europeus são preguiçosos", sobre a repórter de economia Hardy Benjamin e seu jovem namorado irlandês, "Atentado em Bagdá mata 76", sobre o editor executivo Graig Menzies e sua mulher Annika, muitos anos mais nova do que ele, e "Bolsas despencam ante temores de desaceleração da China", sobre a diretora financeira Abbey Pinnola e um personagem secundário, que aparece apenas nas histórias dos outros.

No último capítulo, que trata do encerramento das atividades do jornal, nas páginas finais Rachman conta rapidamente o que aconteceu com cada um dos personagens, como num bom romance antigo. Ele é dedicado ao inacreditável último diretor do jornal, o jovem milionário Oliver Ott e seu cãozinho e confidente Schopenhauer. Tem um título bastante parecido com aquele usado de vez em quando por agências noticiosas do mundo real: "Atirador enfurecido mata 32 em campus". Só mudam o local e o número de mortos. Em Os Imperfeccionistas é Schopenhauer quem acaba pagando o pato...