Boca de luar - Carlos Drummond de Andrade

Drummond escrevia poesias por prazer; as crônicas eram encomendadas pelos jornais; ele se saiu melhor como poeta, claro

Carlos Drummond de Andrade - Boca de luar, SP, Companhia das Letras, 2014

Primeiro vamos ao título dessa coletânea de crônicas dos anos 1980, a última que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) publicou em vida (em 1984) e a que chamou de Boca de Luar: o que seria isso? A explicação vem no trecho abaixo, da crônica homônima, uma das cerca de cinquenta delas que fazem parte do livro:

“Você tem boca de luar, disse o rapaz para a namorada, e a namorada riu, perguntou ao rapaz que espécie de boca é essa, o rapaz respondeu que é uma boca toda enluarada, de dentes muito alvos e leitosos, entende?”

Isso posto, é desnecessário dizer muita coisa acerca de Drummond, um patrimônio da cultura brasileira, então vamos diretamente às crônicas propriamente. São todas inesquecíveis? Não, porque dependendo do assunto ou do modo como ele é tratado, uma crônica já nasce sob o signo da efemeridade. Ou seja, crônicas podem ser perecíveis. Elas quase sempre padecem desse mal, se não envelhecem com o passar do tempo, por outro lado, podem, digamos assim, desbotar, perder as cores.

Ou pior, certas referências necessárias para entender e usufruir um texto (você sabe quem foi Fig?) podem não ser do conhecimento de todos os leitores, especialmente dos mais jovens (Fig foi o presidente Figueiredo, de triste memória, aquele que preferia cheiro de cavalo ao do povo). Penso que isso ocorreu com várias delas aqui, lembrando também que eram publicadas em jornais diários quase sempre sobre assuntos do momento - no caso, no Jornal do Brasil, onde Drummond trabalhou como cronista durante mais de quinze anos.

Recentemente li O Gato Sou Eu, de Fernando Sabino (1923-2004), contemporâneo de Drummond, que trazia crônicas mais antigas do que as de Boca de Luar, mas que me pareceram mais saborosas do que as deste livro. Penso, mas posso estar enganado, que uma crônica escrita há sessenta ou setenta anos (caso das de Sabino) está mais cristalizada no tempo, é mais fácil de digerir do que algo que foi escrito mais próximo de nossa época e ainda não adquiriu ares de literatura ou adquiriu isso apenas parcialmente.

Vou tentar dizer isso de outra forma, sou apenas um leitor não um crítico literário, então talvez eu não saiba me expressar corretamente, mas uma crônica ou um conto de Machado de Assis (1839-1908) parecem leitura mais fácil de ser assimilada do que outros textos mais recentes, porque aqueles ganharam lastro com o passar dos anos. As coisas são mais ou menos assim na minha cabeça: no tempo de Machado se ouvia ópera, no tempo de Drummond também, mas igualmente um personagem deste podia estar ouvindo radinho de pilha. Radinho de pilha e máquina de escrever não me parecem objetos clássicos ainda (se é que serão algum dia), como uma bengala e a cartola de um dândi ou um bonde movido por tração animal, que Machado chamou de transporte “essencialmente democrático” numa de suas crônicas.

Da mesma forma, os usos e costumes dos personagens, que numa crônica não são desenvolvidos com profundidade por conta das características do próprio gênero. Também é bom lembrar que o próprio Drummond disse uma vez que crônicas ele fazia profissionalmente, enquanto “(...) poesias eu faço porque ninguém encomendou.” Quer dizer, crônica não era exatamente sua praia, a poesia, sim, tanto que ele é muito mais conhecido como poeta, um dos melhores da língua portuguesa.

De todo modo, há muita coisa boa em Boca de Luar, e destaco os seguintes textos: Casamento, Depois da Quarta Dose, Filósofo, Música no Táxi, O Velho etc. Para finalizar, tem o Posfácio do chato petista (também seria chato se fosse bolsonarista, claro) Francisco Bosco, Ao Fim, No Meio do Caminho da Escrita, empolado de Henri Bergson como ele só, mas sem a genialidade do filósofo francês, evidentemente.