Uma juventude na Alemanha - Ernst Toller

Ernst Toller - Uma juventude na Alemanha, SP, editora Mundaréu, 2015

Eu não tinha uma ideia lá muito precisa de quão conturbado havia sido o período entre guerras na Alemanha: alemão lutando contra alemão, prussianos e bávaros se enfrentando, assassinatos, perseguições, prisões injustas e outras injustiças... Turbulência essa que também ocorreu na Áustria e em alguns países do leste europeu na mesma época. Foi preciso ler a biografia do poeta e dramaturgo de origem judaica Ernst Toller (1893-1939) para entender certos acontecimentos, fatos que permitiram aos poucos a tomada do poder na Alemanha por um ser execrável como Adolf Hitler e seus diabólicos seguidores.

Antes que isso ocorresse – e esse episódio não é narrado aqui, apenas alguns movimentos do futuro ditador alemão – temos não somente a biografia de Toller (biografia parcial porém, porque contempla apenas seus primeiros trinta anos de vida) mas um retrato de grande parte de sua geração, daí o título do livro. Ele mesmo escreve: “Não é apenas minha juventude que está aqui registrada, mas a juventude de uma geração e, além disso, parte da história de uma época.” E que tempos extraordinários, perigosos, insanos, viveram Toller e sua geração.

Lemos a Apresentação da editora Mundaréu, que traz um curto mas preciso elogio a Toller no qual são lembrados alguns intelectuais que admiramos e que de algum modo estiveram conectados com ele ou mesmo o conheceram pessoalmente: Thomas Mann, Max Weber, Romain Rolland, Rainer Maria Rilke, Rosa Luxemburgo e outros. E depois, durante a leitura restante, vamos conhecendo seus amigos, políticos, militares, soldados, magistrados, agentes penitenciários etc., enfim pessoas que o ajudaram ou contra ele praticaram alguma forma de injustiça ou mesmo violência.

Após a Apresentação passamos por aquilo que poderia ser considerado um prefácio - pois na verdade se trata de um artigo publicado num jornal de Frankfurt em 1924 da autoria de Joseph Roth, escritor e jornalista austríaco de ascendência judaica como Toller, autor do conhecido volume Marcha de Radetzky (1932) -, com o título de Um Apolítico Vai ao Reichstag, que não trata de Toller mas descreve o funcionamento do parlamento alemão daquela época. A Mundaréu chama esse útil texto de complemento de leitura, que caracteriza muito bem o período que Toller trata, de sua adesão ao socialismo, à causa operária, aos pobres e injustiçados etc.

A biografia propriamente é composta por dezesseis capítulos que vão da infância do autor até sua saída da prisão após cinco anos de cumprimento de pena, quando ele já era um conhecido dramaturgo, encenado com sucesso no país (contava trinta anos então). Curiosamente o livro é dedicado a um sobrinho, que se suicidou aos dezoito anos, mesmo fim que Toller escolheu para si em 1939, em Nova York. Grande parte do livro trata da luta política do autor, que tendo sido voluntário na guerra e visto seus horrores, quando volta dela torna-se um pacifista, não mede esforços para impedir que outras guerras eclodam e essa passa a ser sua “missão humana” a partir daí. Foram tempos extraordinários, em que sobreviveu a dois acidentes aéreos e principalmente à sanha assassina de seus inimigos, seus próprios irmãos alemães, como ele mesmo escreve a certa altura.

Esta não é apenas a biografia de um sonhador, um pacifista, ou um retrato de sua geração, como já foi dito, mas a própria História. Sabemos como tudo vai terminar (mal), vemos o sonho de Toller ser destruído (guerras nunca mais?), acompanhamos as gritantes injustiças e a crueldade contra ele cometidas, assim como a alguns de seus jovens amigos ou companheiros mais velhos, mas nada disso tira a empolgação (misturada com tristeza e revolta) com que lemos alguns capítulos do meio para o final. E tudo isso porque querendo evitar a guerra, Toller acabou ele mesmo envolvido na organização sindical e na política de então, num país dividido entre vermelhos (prussianos) e brancos (bávaros) em que muitas questões costumavam ser resolvidas (ou não) com extrema violência.

Mas nem tudo é sofrimento: no início do volume temos os capítulos que tratam da infância e da adolescência do dramaturgo. Lemos com prazer as histórias curiosas e até mesmo engraçadas do tempo de menino de Ernst. Toller vinha de uma rica família de comerciantes, mas seu melhor amigo de infância era o filho de um vigia noturno, um polaco, termo depreciativo usado pelos alemães para se referirem aos poloneses. Depois ele nos conta sobre sua adolescência, do tempo de seus estudos na França, em que passava mais tempo jogando cartas do que nas salas de aula. Na sequência temos sua volta à Alemanha para então cometer o grande erro de se oferecer como voluntário para lutar na guerra. Mas foi isso que depois mudou-lhe a vida e fez com que sua história chegasse até nossos dias tantos anos depois.