Quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso(?)

Se tem uma frase que pode resumir "Flores para Algernon", de Daniel Keyes, sem spoilers, é uma que pego emprestada de outro autor, José Saramago: "Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."

Neste livro, acompanhamos Charlie Gordon, um jovem rapaz cuja deficiência intelectual lhe causa diversos transtornos e limitações. Mas, como se estivesse no lugar certo e na hora certa, ele é escolhido para ser o primeiro humano a passar por uma experiência revolucionária (já bem sucedida com o ratinho Algernon): uma cirurgia cerebral que lhe proporciona uma inteligência crescente, o que lhe permite acessar o mundo de uma forma nunca antes possível para ele. Porém, o corpo humano não se resume a uma máquina – há muito mais dentro de nós do que sabemos conscientemente, e o super-gênio Charlie se vê constantemente assombrado por seu "eu" antigo, que não poderia simplesmente desaparecer.

Quanto mais ele se descobre como uma nova pessoa, mais ele percebe o quanto é penosa a tarefa de entender a si mesmo, através da revisão de lembranças, laços familiares, amigos, suas próprias angústias e, agora, o futuro. O conhecimento tem um preço? É diretamente através de suas palavras em "relatórios de progresso" - como um diário - que acompanhamos sua jornada nessa questão, enquanto evolui tanto no próprio uso da linguagem quanto no autoconhecimento. Assim, envolver-se com Charlie é instantâneo, seja por sua simplicidade e inocência originais, seja por querer que ele encontre paz após ver o mundo como ele é. Seus questionamentos podem ser o de qualquer um, de mim, de você... basta abrir os olhos como os dele foram abertos. É uma mistura de sensações.

Finalizo destacando uma das principais reflexões que essa obra me causou: quanto mais uma pessoa muda ao longo da vida, mais peso poderá ter sua versão do passado. Essa coisa que somos pode não ter nome, mas carrega a identidade de todos aqueles que já fomos.

PS.: o autor foi mestre em saber como colocar nosso coração num espremedor.

Gustavo Carnelós
Enviado por Gustavo Carnelós em 12/06/2023
Código do texto: T7812278
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