Lendo Lolita em Teerã

                           Não, eu não li Lolita em Teerã.Nunca fui em Teerã. Eu li Lolita em Lavras, mesmo. E agora acabei de ler o livro de Azar Nafisi, Lendo Lolita em Teerâ, que também li em Lavras pois daqui pouco saí nesses últimos dias. O livro, subtitulado Uma memória nos livros, é um misto de auto-biografia,resenha/crítica literária e crônica do cotidiano. Foi escrito contando a memória da autora durante os dezoito anos em que viveu  pela segunda vez em Teerã e se dedicou, oficialmente ou clandestinamente, a ensinar a literatura de língua inglesa, especificamente as literaturas inglesa e norte-americana. Azar Nafisi, iraniana, saiu do país aos treze anos, para estudar na Inglaterra e Estados Unidos. Voltou, com o segundo marido, logo após a vitória dos aiatolás e ficou por dezoito anos, tentando fazer aquilo que mais gostava: ensinar literatura. Oprimida pela vida no Irã, retornou aos Estados Unidos, agora já com a família aumentada e com um emprego universitário. Foi nos Estados Unidos que escreveu este livro: a lembrança de sua experiência como professora universitária em algumas universidades iranianas, mas principalmente o relato dos encontros de seu grupo de sete alunas particulares que se reuniam com ela todas as quintas feiras em sua própria residência. Ali, tendo como ponto de partida o estudo de alguns romances, entre eles, Lolita, de Nabokov, discutiam também as suas próprias vidas e a vida no país dos aiatolás.Levei aproximadamente 25 dias para ler os seus 27 capítulos.Não é um livro para se ler de um fôlego só,eu li um capitulo por vez,  pois  cada capítulo se encerra em si mesmo:  são todos altamente reflexivos. Li geralmente enquanto esperava o sono, sem pressa, saboreando cada capítulo. Muitos foram os pontos que chamaram a minha atenção, mas sem dúvida nenhuma, foi o domínio da crença o que mais me impressionou. O Irã se tornou, com a chegada ao poder dos aiatólas, uma República Islâmica. A Religião passou a ser o fator dominante no país. E, as absurdas crenças dominaram a cabeça dos fanáticos que passaram a controlar o país de forma drástica, O terror se instalou no cotidiano de um jeito ridículo e a população acabou se acostumando a ele e vivendo como se tudo fosse normal. Obviamente, criavam o seu próprio mundo para suportar o mundo real.A razão estava proibida de existir em público. As alunas de Azar, chegavam em sua casa, com túnicas e véus, deixando de fora só o rosto. Alí, despiam o traje "oficial" e se trajavam como pessoas normais, influenciadas pelo moda do ocidente. A vida cultural praticamente desapareceu da cidade, mas filmes e livros contrabandeados continuaram a circular e as pessoas a se reunirem em casa para vê-los e conversar sobre o que liam e viam. No regime dos aiatolás aconteceu uma completa regressão às liberdades individuais, fato que prejudicou toda a população, mas principalmente as mulheres. Durante muitos anos, o Irã, eminentemente muçulmano, foi governado por uma dinastia laica, o que permitiu o crescimento de certas liberdades individuais e a ocidentalização do país. Com o fim da dinastia Pahlevi o poder passou para as mãos de muçulmanos fanáticos que tinham "idéias" sobre como as coisas deveriam ser, que a autora chama de "fantasias". E foi em cima dessas "fantasias" ou "crenças" que o país passou a ser governado, de forma absolutamente intolerante e fanática, sem nenhum respeito aos direitos humanos.
          Considero importante a leitura deste livro. A realidade iraniana pode não ser a nossa realidade mas ajuda na compreensão de que é importante não se deixar levar por crenças sejam elas religiosas ou políticas. E é fundamental também a compreensão que a autora nos passa da importância da literatura como fator de libertação. Através dos livros de ficção, onde um autor revela através de seus personagens  situações de vida, aprendemos a ter coragem para superar aquilo que nos limita. 
       Não posso, antes de terminar essa resenha, deixar de falar do "meu mágico": o amigo não claramente identificado que a autora tinha e com a qual podia discutir seus sentimentos e preocupações mais íntimas. Fiquei com uma inveja danada. Estou pondo anúncio no jornal na tentativa de encontrar um, só meu e a quem eu possa também chamar de "meu mágico". Vai ser chique de doer, ter um mágico particular que me ajude a transformar a aridez do dia a dia em uma bela fantasia. Não uma fantasia
doentia, mas sim a fantasia baseada em um mundo melhor que nos leva a buscar através de elementos racionais a melhoria da vida da humanidade. 

 

 

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