Gabriel García Márquez – Prêmio Nobel de Literatura. 


Reli o livro de Gabriel García Márques, Do Amor e Outros Demônios, publicado pela Editora Record, traduzido por Moacir Werneck de Castro, em sua 6ª edição, de 1995. Um romance colombiano. Um romance muito bom como só García Márquez sabe escrever. 

O livro foi inspirado por uma reportagem que Gabriel deveria fazer sobre a demolição do convento Santa Clara, em Bogotá, no ano de 1949. Ao chegar teve acesso aos túmulos das freiras que haviam sido enterradas lá inclusive um dos túmulos era o de uma adolescente de mais ou menos doze anos de idade com uma enorme cabeleira d vinte e dois metros de comprimento. O chefe da obra não achou nada de estranho visto que o cabelo cresce um centímetro por mês de vida e continua crescendo mesmo depois da morte. Gabriel se interessou porque quando era menino ouviu muito a historia de uma marquesinha de doze anos que havia morrido por ter sido mordida por um cachorro louco e muito venerada no Caribe por seus milagres. E seu romance teve início, pois era o motivo para uma bela história. Lembrou que lhe contavam que essa marquesa tinha um cabelo tão comprido que arrastava com se fosse a calda de um vestido de noiva. Perguntou-se se por ventura seria a mesma. 

Ele resolve contar a história da marquesinha de sua infância, que viveu no Caribe, numa província de dominação espanhola, dominação pelo preconceito, pela intolerância exacerbada, pelos conflitos religiosos e ainda por cima desprezada pelos pais que a fizeram viver com os escravos africanos até aquela idade. Na convivência com os negros incorporou a religião deles o que assustava ainda mais sua mãe que uma campainha colocou-lhe no pulso para avisar de sua presença, tão leve andava. 

Ela nasceu no dia 7 de dezembro, dia de um santo católico, Santo Ambrósio, filha do marque de Casalduero, recebeu o nome de Sérvia Maria de Todos los Ângeles e também de Maria Mandinga pela crença africana onde fora criada até doze anos pela rejeição de seus pais. Nasceu com uma cabeleira tão farta que já fizeram por ela a promessa de só cortar o cabelo no dia de seu casamento, por isso era tão comprido arrastando pelo chão como cauda de vestido de noiva. 

No dia de seus décimo segundo aniversário foi mordida por um cão que se soube estava com raiva. Estava acompanhada de uma negra com recomendações de ultrapassar determinado limite, mas a empolgação da feira a desviou da ordem e foi levou Maria. Era costume matar o animal e pendurá-lo morto para que todos soubessem que estava com a raiva. Ninguém se deu conta do perigo. 

Até o dia em que uma cigana apareceu na casa do marquês e lhe disse que ela havia sido mordida pelo cão raivo e, embora não acreditando, foi se informar com os negros que cuidavam da menina. Ele tinha uma ferida nos tornozelos da mordida e disse ao pai que havia caído. Uma das muitas mentiras que gostava de dizer.
 
Certo dia foi notificado que a menina estava com febre. Teve remorsos de a haver abandonado e começou a tratá-la como filha. Começou a amá-la. Um sentimento que não conhecia. Foi procurar um médico da região, que não era querido pela igreja que foi ver a menina.Abrenúncio. Disse que precisava de cuidados. Mas não apresentava sintomas de raiva e sim de falta de  amor. 

O "Santo" Ofício ficou sabendo da visita do indesejável à casa do marquês e pressionou o pai a mandá-la para o convento para tratamento de pessoas portadoras de possessão demoníaca, pois a menina espumava, rolava pelo chão. 

O pai a levou a contragosto para o convento e ela foi internada na ala das enterradas vivas. No dia em foi internada fatos intrigantes aconteceram no convento e reforçaram a idéia de possessão demoníaca. Era preciso o exorcismo para livrá-la dos demônios. Cortaram-lhe os cabelos de forma muito cruel,  agressiva, arrancaram-lhe os colares da cultura africana que carregava. Ele gritava em língua oruba algo que ninguém entendia. Deram-lhe muitos banhos com água benta, esfregaram muito seu delicado corpo e,  a abandonaram na cela suja, fria, escura, quase nua, onde ela não tinha e não via  nada de humano. Seus excrementos ficavam ali mesmo. Não tomava banho, não penteava os cabelos, pegou piolhos. O pai nunca mais a viu e nem ela o queria ver. 

Foi então que mandaram um padre Cayetano Delaura para ajudar a menina e investigar se era mesmo possessão. Depois de algumas visitas o padre descobre que se apaixonou por ela. Tiveram vários encontros, beijaram-se muito, cantaram versos de namorados, choraram suas tristezas. Mas ele prometeu esperar o casamento e ela concordou. 

Ele foi descoberto, pois num ataque de desespero, pois não conseguia mais ver a menina que tinha mudado de cela, e, ao pedir ajuda ao pai  encontrou outra pessoa, uma ex namorada na na casa que o mandou embora,contou que a amava. 

Foi expulso da Igreja onde exercia a função de bibliotecário e gozava da confiança do bispo e enviado para o hospital dos leprosos como enfermeiro. Não soubera lidar com a tentação e se deixou cair nas armadilhas do demônio. 

Sierva Maria foi exorcizada, e termina em sua cela, como num sonho que ela teve e que Cayetano também teve – ela estava diante de uma janela comendo uvas que estavam em seu colo arrancando do cacho uma a uma. Não queria que terminasse, pois quando acabasse seria a sua morte. Mas, desta vez o sonho era um pouco diferente, sem Cayetano _que ficou vivendo no meio dos leprosos com a toda a promiscuidade possível tentando morrer – e que nunca soube porque a abandonara e, diante da janela comia as uvas arrancando-as de duas em duas para que acabassem logo.
 
Morre ali num ar de felicidade, pele de recém-nascida e cabelos que cresciam sem parar, podendo até ser visto o seu crescimento. 

Sierva MarÍa, foi vítima da “Santa” Inquisição. Foi vítima da intolerância, da sua enorme vontade de ser livre, independente. O preconceito, a discriminação eram muito maior que hoje (ainda existe). São esses os demônios que devem ser exorcizados. O amor dos dois foi até certo ponto provocado pela circunstância vivida pelos dois solitários que eram. Ele padre, nunca tivera contado com a humanidade a não ser pelos livros. Ela solitária a procura do amor, que nem dos pais teve. 

A leitura desse livro, como da outra vez, me lembrou Rapunzel com seu enorme cabelo que ela estendi ao prícipe que escalava atorre para vê-la, agora era um padre que escalou um muro heróicamente para ver a sua amada. Também, Cinderela, rejeitada pela família- madrasta- e pelo pai que não se incomodava muito com sua sorte. Apenas o final difere dos contos de fada tradicionais. Não foi um final feliz. Também não foi triste. Foi um final lógico pelo tanto de sofrimento.