Viagens e Emoções - Crônicas Divertidas e Gafes Memoráveis (Izabel da Rosa)

 

 

A gaúcha Izabel da Rosa, radicada em Curitiba, já possui um estradar no mundo das publicações, trilhando por prosas e versos, com seu toque peculiar e sensível. Agora, na sua mais recente obra, a autora se propôs a pegar cada leitor pelas mãos, conduzindo-o a caminhos incríveis, pelas paisagens e sensações de diversas regiões do mundo.

 

Não resisti. Me deixei levar por suas mãos e por seu perfume rosáceo, numa doce e intrépida aventura pelas páginas bem escritas de relatos surpreendentes.

 

Viagens e Emoções – Crônicas Divertidas e Gafes Memoráveis é um livro recheado de experiências, boas ou nem tanto, de algumas das viagens que Izabel teve o prazer de desfrutar até o presente momento. O livro é dividido em três partes: Viagens e Trapalhadas pelo Mundo das Palavras, Conhecendo o Mundo e Viagens Significativas pelo Brasil.

 

Na primeira parte, Izabel relata o desafio de aprender um segundo idioma, depois um terceiro e mais outro... Conta-nos, com muita propriedade, a luta com um “inglês de escola pública e alguns cursinhos”, o choque dos primeiros contatos com pessoas nativas de uma língua estrangeira e como ouvir, compreender e falar podem formar um triângulo conflituoso e complexo. Há alguns episódios pitorescos nesta parte do livro, que, além do inglês, também revela aventuras com o espanhol – que se tornou praticamente sua segunda língua – e o italiano.

 

Com algum esforço e muita determinação, a nossa aventureira rompeu a barreira dos vocábulos e se pôs a explorar o mundo: Canadá, Portugal, Espanha, Marrocos, Itália, Índia, América do Sul... e vamos juntos por estes lugares incríveis e de pessoas espetaculares.

 

Os três capítulos dedicados à viagem a Portugal, mais precisamente às ilhas dos Açores, merecem uma atenção especial, pois ali Izabel da Rosa exala todo o seu aroma em sentimentos, uma vez que lá estão as suas raízes ancestrais. A conexão que ela sente ao tocar o solo, as águas e a convivência com as pessoas do lugar, são passadas da forma mais poética e sensível que as ásperas páginas de papel conseguem captar. Foi ali que sua alma se derramou em poesia...

 

“Sinto que já vi estas ondas, me conhecem estas pedras, este vento me açoitou.

Uma saudade incomum me traz lembranças do mar e de coisas que não vivi.

Um povo que já fui eu, em outra vida aqui.” (pag. 41)

 

Algo que muito me encantou na leitura de Viagens e Emoções, é que Izabel não se limitou, e muito menos se preocupou, em repetir a velha fórmula de descrever os lugares e suas excentricidades comuns pelo ponto de vista de uma turista brasileira. Ela foi além do óbvio, tantas vezes já escrito e documentado nas mídias. Esmerou-se para se envolver com o espírito dos lugares, tanto nos detalhes das suas descrições aparentes e, ainda mais, ao descrever os relacionamentos estabelecidos em cada local.

 

Fiquei com vontade de saber mais sobre Lourenço d’Ávila, seu possível parente português até então desconhecido - é possível sentir a energia emanada do abraço descrito. Me simpatizei com Hassan, o guia berbere, que se mostrou gentil e respeitoso. A jovem de Taiwan, o menininho latino que corresponde a um beijo jogado com a mão e Saul, o chofer, que sonha com a construção da sua casa. Tantos personagens que passam rapidamente e, no entanto, nos encantam deixando um rastro bonito de ternura em cada página.

 

O respeito por cada indivíduo e sua individualidade está explicitado na passagem em que a nossa viajante, empolgada, faz um registro fotográfico de uma mulher, numa pequena vila do deserto marroquino, e esta vira-lhe o rosto. No instante seguinte, lhe vem o discernimento do impacto de tal gesto:

 

“Queria ter ido até ela e pedir perdão pela invasão da sua privacidade, por achá-la diferente e exótica, por ser tão ocidental. Porém eu nunca seria entendida, menos pela dificuldade do idioma que pela diferença cultural. Dali em diante, somente fotografei pessoas de costas para que não pudessem ser identificadas.” (pag. 54)

 

Ainda no campo das relações humanas, Izabel traz a sua percepção de como é ser mulher ocidental em uma cultura que não carrega os mesmos valores em relação às pessoas do sexo feminino. Ela nos conta como as brasileiras são vistas em alguns lugares, onde as informações a respeito do nosso país chegam distorcidas. Tem um olhar clínico em relação à posição da mulher no mercado de trabalho em diferentes culturas e isto choca, por mais que estamos acostumados a ver tais cenas descritas e mostradas nos programas de televisão ou nas plataformas digitais. Por suas lentes, podemos perceber o quanto os valores são distintos e conflitantes, a depender da geografia e crenças locais.

 

A autora, com seu olhar perspicaz, nos brinda com descrições poéticas das muitas paisagens, tecendo, num emaranhado tão perfeito como as melhores obras de tapeçaria, a beleza e o caos que se harmonizam em cada ambiente. É possível sentir o frio, os cheiros, ouvir os barulhos e o grito de silêncio de cada lugar. Tudo isto temperado a uma descrição resumida, mas precisa, de um contexto histórico e geográfico que emoldura os cenários de cada aventura.

 

Na página 108 Izabel termina dizendo: “Quero sentir tua gente, escutar tuas estórias, envolvida por teu vento, teu sol, tua noite e teu frio.” Como fiquei feliz ao ver uma escritora contemporânea resgatando a beleza da palavra estória, tão rica em traduzir os sonhos, a magia dos dias de inocência. Quem ainda acredita na estória sem H, tem alma de poeta e, acredito, nela a centelha divina brilha mais forte. 

 

A terceira parte do livro, dedicado às viagens significativas pelo Brasil, é a mais curta da obra e nos leva a três destinos, todos no sul do país. A este leitor, apreciador de boas cervejas, foi gratificante saber que a famosa Oktoberfest não começou em Blumenau, mas nasceu na cidade de Itapiranga, no extremo oeste de Santa Catarina. E mais uma vez Izabel volta o seu olhar aguçado para a beleza do lugar e para as pessoas e suas vivências, tão ímpares e, ao mesmo tempo, tão significativas.

 

Lamentei o fato desta terceira parte não abranger outros destinos brasileiros, tão belos e tão ricos. Desejo que os mistérios e histórias de tantos lugares ausentes estejam reservados para futuras bagagens, outras crônicas e outras emoções.

 

Em pelo menos dois momentos do livro, a escritora questiona determinados eventos e cenários, numa desconfiança de que certos ritos e paisagens são realizados e construídos cuidadosamente, na medida certa para encantar turistas e aumentar o faturamento local. Eu compartilho desta desconfiança em muitos lugares onde vou. Já houve ocasiões em que esta percepção me trouxe certo incômodo, porém na maioria das vezes ajo como a nossa companheira e me deixo ficar encantado pelo instante vivido e pela contemplação do belo, que não é menos valioso por ter sido idealizado e construído.

 

Por vezes lamentei que este livro não tivesse algumas fotos que documentassem, de forma estática e fiel, os relatos escritos. Abandonei este pensamento ao deduzir que o correto foi mesmo não introduzir tais imagens. Em sua escrita suave e certeira, Izabel instigou a imaginação a criar cada cenário. Que bom não haver fotografias para interferir nesta magia! Se houvesse, as estórias não teriam seu lugar na alma depois de virada a última página.

 

Extasiado pela beleza impressa em pouco mais de uma centena de páginas, embriagado pelo vento, pelo sol refletido em tantos vitrais, pelos mantras e cânticos sagrados de inúmeros templos, termino com o trecho de um poema singelo para embalar um sonho bom:

 

“Viver livre e, nos dias finais, me entregar às águas geladas do final da cachoeira para o meu último banho.

Rolar pelas águas da corredeira, sem resistência, sem limite. Quando o rio me devolver à montanha, serei parte do cenário e retornarei ao solo para alimentar o fruto que vai se tornar pinheiro.

Duzentos anos depois, receptiva, abrirei meus braços, nos meus galhos curvos em uma prece de agradecimento.

Posarei majestosa para a lente dos turistas que virão.” (pag. 123)

 

 

 

 

 

 

 

Título da Obra: Viagens e Emoções – Crônicas Divertidas e Gafes Memoráveis
Autor: Izabel da Rosa
Editora Motres, 2023
ISBN: 978-65-5513-117-8
Nº de páginas: 127
Foto do livro para a resenha: Jefferson Lima

Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 12/09/2023
Reeditado em 12/09/2023
Código do texto: T7883442
Classificação de conteúdo: seguro
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