Resenha "Direito penal na Grécia antiga".

Disciplina: Teoria Política

O surgimento do fenômeno chamado direito é tema de diversos livros, artigos e palestras. Da mesma forma, o livro “Direito penal na Grécia antiga” 1de Viviana Gastaldi começa destrinchando o tema, diversas opiniões sobre o tema são expostas, criticadas e propostas. A primeira perspectiva, de Michael Gagarin, apresentada é a de que o direito, principalmente o penal, surge juntamente com o Estado ou o poder político, ou seja: um olhar claramente positivista sobre.

Nesse contexto, faço aqui meu primeiro questionamento: será mesmo que o aparato burocrático que chamamos de Estado é a única fonte do direito penal em toda a história? Tal afirmação, ao olharmos para as diversas experiências humanas por todo o globo, não se mostra verídica. Nessa perspectiva, tanto o exemplo da tribo indígena M’Biguaçu2 (umas das tribos brasileiras que ainda persiste em seus costumes) quanto do povo hebreu serão imprescindíveis para provar meu ponto.

No primeiro caso, as comunidades nativas, apesar de carecerem de uma organização política, mostram-se extremamente competentes em estabelecer uma norma, isto é: um padrão de comportamento, e julgá-lo de acordo com a gravidade da infração. Isso pode ser facilmente percebido no caso da tribo da região de Biguaçu na grande Florianópolis chamada Yynn Moroti Wherá (reflexo das águas cristalinas) ou M’Biguaçu que, novamente, apresar de carecerem de uma coerção como a que temos - monopólio da força, como diria Hobbes –, ainda realizam direito.

No segundo, de acordo com a tradição israelita3, muito antes de haver um poder político propriamente dito já existia leis comportamentais ou escritas, costumes e uma norma que, se desobedecidos, havia penas e sanções jurídicas para punir, afastar ou corrigir o infrator. Nesta situação, o livro de Juízes nos narra a história de uma mulher que foi brutalmente morta em uma cidade que foi conivente ao ato; o resto do povo, ao saber da atrocidade, se reuniu e destruiu totalmente a cidade. Nessa história, percebe-se que, novamente, apesar de não haver uma norma escrita ou uma jurisprudência falando exatamente o que deveria ser feito a quem cometesse tal delito, o povo prontamente se organizou e realizou a punição da infração.

Desse jeito, ao analisar esses dois casos não há nenhuma forma de sustentar a posição de Gagarin. E a segunda linha de pensamento, também defendida por Malinowski e pela autora, é que o direito penal surge independentemente do aparato estatal. O que, evidentemente, está óbvio ao olharmos aos exemplos citados acima. Na realidade, creio que acreditar no primeiro raciocínio é um forte sintoma de um sistema de pensamento que não consegue ver nada além de si mesmo: só existe a nosso modo de sociedade e todo o resto simplesmente não é real.

Gastaldi agora finaliza as noções preliminares com a ideia do delito na antiguidade. Então, para começar, o que é delito? Atualmente, entende-se por delito uma ação que vai contra a norma estabelecida pela coerção social e estatal ou uma revolta do indivíduo contra a sociedade (sempre levando a uma sanção jurídica). Obviamente, a visão grega sobre não era essa, mas foi se tornando algo cada vez mais parecido com o que temos hoje.

Os primeiros conceitos tidos pelo povo de Helena foram os de hybris, nomos, adikia, themis e dikê sendo o primeiro da lista o primogênito. Hybris, inicialmente, não era vista como uma quebra da norma; era um de desrespeito ao nomos (não como usualmente o utilizamos, na verdade a ideia era de harmonia geral e respeito a prosperidade). A ideia de injustiça vai aos poucos sendo incorporada, principalmente nos delitos de ofensa a mortos, adultério, incesto ou injúria contra autoridades.

A Adikia, por outro lado, era o conceito que mais se assemelha ao da lei atual, sendo escrita e outorgada pela autoridade competente, além de encarnar de fato o conceito de injustiça que merecia ser recompensada (normalmente pela família do injuriado). No entanto, para eles a Adikia estava também diretamente ligada à religião, ou seja, as injúrias atentam contra os deuses, quase que como um pecado que manchava tudo e a todos e, portanto, os autores da mácula deveriam ser punidos e afastados pelo bem coletivo da polis.

Themis era um sistema de direitos e deveres para os chefes dos genos (os clãs) vindos dos deuses e dikê era uma expressão da ordem humana, individualmente e coletivamente falando. Nessa circunstância, o direito grego mostra-se muito prático, surgindo como uma necessidade daquela sociedade em organizar-se. A bem verdade é que o direito é um fenômeno que não se prende a palácios luxuosos, códigos confusos e burocratas arrogantes, mas está nas entranhas da humanidade e do povo, é o sangue que percorre a sociedade, está nas ruas e vielas. Onde há um ou dois reunidos, ali há direito sendo feito.

Ainda nessa linha, podemos perceber diversas mudanças e semelhanças entre o atual direito penal brasileiro e o antigo grego. Entretanto, para o propósito que me foi dado neste momento, destacarei somente um, que tanto é sintonia quanto dissonância: a influência da religião, e, principalmente no que tange o Brasil, o cristianismo. Esse influenciou e influencia diretamente o direito brasileiro como um todo. Ora, não podemos negar o preâmbulo de todas as nossas constituições que afirmam e endossam o cristianismo: “Em nome da Santíssima Trindade...” na de 18244 ou “Pela proteção de Deus...” na de 19885. Muito menos podemos esquecer o crucifixo extremamente presente em todas as instituições públicas.

É claro, não aplicamos a lei por medo de uma punição divina (como os gregos que tinham medo de um certo “miasma”), contudo as bases filosofias e morais dos indivíduos não podem fugir da influência da mesma, o simples fato de encararmos – por exemplo – as crianças como sendo inocentes e, portanto, incapazes juridicamente falando, vem de uma herança cristã. O fato é: a sociedade e religião são inseparáveis.

O que podemos e devemos fazer é respeitar – logicamente, na medida que não fira nenhum direito fundamental – as diversas manifestações religiosas e honrar as históricas. Como já disse, se sociedade e religião são inseparáveis, então história e religião também o são. Assim, não vejo nenhum como um erro deixar os crucifixos em lugares públicos, mas sim vejo como um emblema da história do povo do brasileiro.

Viviana agora entra no assunto principal: a sociedade de Homero. Mas, como podemos falar sobre o direito da época sendo que os textos ainda nem eram escritos (quanto mais a existência de uma norma)? Nesse caso – o do direito –, nós usaremos as histórias de Homero (Ilíada e Odisseia) que, apesar de não serem textos jurídicos, imprimem nos versos a realidade ordinária vivida; essa que é recheada de direito. Agora, finalizadas as questões preliminares, entremos no assunto principal.

Cultura de vergonha e de culpa. Esses são os termos usados para definirmos como uma sociedade puni seus delinquentes. No primeiro caso (que é o caso dos gregos homéricos), o indivíduo é bombardeado de bons exemplos – heróis ou semideuses – a seguir e, se não vive a altura desses, perde toda sua dignidade.

É interessante pensarmos no declínio dessa lógica nos nossos dias: hoje, já não conseguimos mais heróis reais para seguir; o máximo que podemos fazer são heróis de quadrinhos, filmes e seriados. Pois a preocupação da sociedade capitalista atual está muito mais ligada ao quanto de patrimônio você acumulou durante a sua vida do que sua conduta. E os homens com virtudes? Creio que, ao olhar a concretude dos fatos, isso realmente tenha ficado para um passado antigo.

A cultura de culpa, em contrapartida, é o que se tem hoje: se o sujeito realiza uma ação proibida é inundado por sentimento de culpa e rancor de si mesmo. Desse jeito, já não se nivela os homens por cima, mas por baixo. Não nos baseamos em deuses e heróis. O presente sistema de pensamento nos leva sempre a cogitar “qual o máximo que posso fazer para não sofrer sanções?”; o que pode (e na prática o faz) conduzir a sociedade a uma pobreza ética enorme.

Pode-se ver também as três fontes do direito: a assembleia, a boulê e a ágora. A Assembleia era presidida pelo rei, descendente de algum deus ou grande herói, mais se parece com um conselho de Estado. A boulê era composta por vários chefes e reis diferentes, sempre levando em conta não a idade, mas o status, nela havia somente um poder consultivo. E a ágora era o lugar dos debates, onde iniciou-se o que podemos chamar de política grega que, posteriormente, dariam lugar a democracia.

No que tange as fontes, é visível a dinamicidade dessas e a influência dos valores da época para defini-los; o direito não é algo estático que independe das condições históricas e antropológicas – lógica positivista –, mas é fruto dessas coisas. Portanto, aí vemos a necessidade do historiador do direito, como diria Paulo Grossi6, pois esse iria abrir os olhos dos demais juristas para ver que existem diferentes formas e jeitos de abordar as ciências jurídicas.

Prosseguindo para o processo penal, precisamos analisar como as punições eram feitas; e para o uso deste trabalho referir-me-ei somente aos casos de homicídio e adultério. Primeiramente, falemos sobre o homicídio na era de Homero. Esse não era ilegal se, e somente se, o autor do ato fosse mais forte (haja vista que aquela sociedade superestimava a força física). Contudo, havia três casos que o era: matar os hóspedes, parricídio e matar pelo engano.

Agora pensemos: por que esses três são tão maus vistos? Pois feriam diretamente as duas principais leis: dike e themis. Themis, como já brevemente citada, era aquela lei que vinha dos deuses, então se alguém a ferir, feri diretamente o padrão divino. A dikê, em contrapartida, é a expressão da justiça humana; como um membro de uma comunidade deve agir em relação a outros membros; resolver uma controvérsia. Vale dizer que a fonte dessas regras é consuetudinária (impressa pelos versos dos poetas), ou seja, é um costume.

Logo, tal fenômeno deveria ser punido de acordo com sua gravidade: a vendetta. Vendetta era um ato inicialmente vingativo, uma vingança pessoal da família contra o infrator. Desse modo, quando um membro do genos morria, seus parentes eram encarregados de levar a justiça para o falecido, o que demonstra o caráter privado do direito penal grego. Contudo, já nesse momento percebe-se a natureza contratual humana que, entendendo a necessidade de se criar uma norma válida para todos os moradores em uma determinada região (em busca da paz, isto é: um método para minimizar a brutalidade humana), cria-se então a poiné e o exílio: acordos feitos entre a família do injuriado e do agressor para aplacar a cólera de forma não brutal e violenta (o que eventualmente levaria ao caos).

A questão do adultério alterou-se muito durante a história, enquanto atualmente não é algo regulado pelo código penal, a um século atrás não o era – código civil de 19167 que vigorou até 2002 –. Nesse ponto de vista, na era grega também era distinto; pois lá o matrimônio – dissonante do que o cristianismo nos ensinou – não era sacro nem sentimental – por mais que envolvesse sentimentos –, mas extremamente funcional e prático – um pouco parecido com a noção romana, aliás –. Era um compromisso mútuo entre as partes, um contrato entre o sogro e o marido, esse que devia pagar para casar-se com a moça. Um contrato entre os dois e a sociedade, que testificava o ato (isso será importante depois). A questão aqui é sobre honra e riquezas; a honra da promessa que se fez com a comunidade e o dote que era pago ao sogro. Dessa maneira, o adultério – sendo a quebra de ambos os princípios já citados – havia de ter sanções correspondentes: uma moral – homem e mulher – e outra patrimonial – homem –.

Moral. A primeira punição era a humilhação e o vexame que o casal passava na comunidade; e, nesse sentido, um ponto que vale olhar é o senso de comunidade que estava se formando. Perceba que uma ação totalmente privada teve uma implicação pública, ou seja: direito público e privado começam a se misturar. Já não é mais uns genos dispersos que aconteceu de estarem morando juntos – como acontece nas cidades modernas –, mas ia se formando um verdadeiro tecido social – como diria Durkheim –.

Patrimonial. Como já disse, se o homem pagava um dote ao sogro para o casamento, o que envolve fidelidade, e se essa fidelidade é quebrada, então a vendentta, nesse caso, torna-se o retorno desse dote e o pagamento de uma multa. Atente-se: as punições estão se tornando mais intencionais e menos viscerais. Se eu quebro um compromisso fiscal, que o retorno assim o seja também. Antes, o derramamento de sangue era a solução na maioria dos litígios e, agora, questões financeiras são solucionadas com soluções financeiras.

Entretanto, algo muito curioso é o papel da mulher nessa situação: nenhum. Os gregos, inicialmente, só as viam, nesse âmbito, como vítimas da sedução de outrem, o que claramente as diminuem. Veja, são elas, por acaso, crianças incapazes de tomar decisões por si mesmas? Evidente que não. Obviamente, medidas protetoras são sempre bem-vindas, mas isso com certeza não passa de um menosprezo à condição feminina. Também se pode ver a funcionalidade dessa instituição – casamento – para o mundo grego; essa união podia ser feita e desfeita à vontade, sem respeitar de nenhuma forma os sentimentos – haja vista a visão material sobre o mesmo –.

E para finalizar a era homérica, falemos sobre a transferência de responsabilidade. Já falamos disso anteriormente, mas vale lembrar que a sociedade grega era formada por vários genos (clãs) e, até agora, quando um crime era cometido era dever da família ir atrás de reparação, o que configura um direito penal privado – o caso do adultério já demonstra uma mudança nesse cenário –. Contudo, a responsabilidade vai começando a passar para os indivíduos em si mesmos: quem comete o delito o responde. O direito ia se tornando mais público do que privado, a dikê, não a opinião alheia ditava o funcionamento dos processos legais; a ideia de que o direito penal deve ser ultimo ratio, um negócio limitado a administração de uma lei fixa e objetiva ia ganhando espaço.

Por mais que o surgimento do direito penal não dependa do Estado – como já havia dito –, a existência de um órgão regulador – esse que seria administrado por uma norma jurídica acima – é extremamente importante para que não haja abusos de poder e caos social, como bem viu Hobbes – ainda que suas deduções sobre um Estado totalitário sejam bem exageradas – quando afirmou sobre o monopólio da força nas mãos de um governante.

Terminados todas as questões sobre o mundo homérico, comecemos o período clássico. Gastaldi começa falando sobre as mudanças no direito penal e para isso fundamenta sua argumentação em dois pontos: a difusão dos alfabetos (criação de normas escritas) e a monopolização das fontes do direito penal.

No período homérico, não havia escrita e, evidentemente, uma norma grafada em algum lugar. Entretanto, com o advento dessa ferramenta as narrativas – antes passadas dos pais para os filhos pela tradição oral – foram sendo escritas e, consequentemente, as leis também. Dessa forma, aquilo que chamamos de “laboratório jurídico grego” começou a se formar, haja vista que, a partir da consolidação de certas leis, começou-se um processo de constantes alterações e mudanças nesses. Experimentos.

Sendo assim, a primeira lei relevante que veremos no contexto deste trabalho será o código de Dracon. Dracon foi o primeiro legislador grego e foi considerado muito sanguinário para sua época. E é interessante que foi nesse momento que o homicídio (entre outros crimes) – julgado até agora pelas famílias – começou a ser responsabilidade dos juízes de Atenas. Evidentemente, as famílias ainda tinham grande participação em todo processo, contudo a questão permanece a mesma: por que as pessoas outorgariam sua autoridade de julgamento para terceiros?

Percebe-se que, nesse sentido, o direito grego arcaico não suportava mais os litígios entre os indivíduos; estava desmoronando. A tradição oral já não dispunha de ferramentas necessárias para a resolução de acontecimentos cada vez mais complexos que envolviam cada vez mais pessoas. Portanto, existia a necessidade de um novo ordenamento, um que consiga suportar a pressão de uma sociedade inteira nos seus ombros, um que não se baseia tão somente em uma personalidade, mas um imutável (um que oferecesse segurança jurídica); que independe da vontade volátil de poucos poderosos ou de muitos impetuosos. Por conseguinte, para evitar uma convulsão social, o poder de julgar (punir) passa a ser totalmente do Estado.

Entretanto, essa outorga de responsabilidade, por mais que necessária, deve ser vista com muito cuidado. Como já dito antes, o direito – sendo fruto de um espaço de tempo de um determinado povo em uma determinada região – pode ser encarado de diversas formas. Para fundamentar o que digo, faço aqui uma pequena comparação entre a alta idade média e o período clássico grego: ambos estavam em um “vácuo jurídico” que precisava ser preenchido (queda do império romano), e enquanto um optou pela dissolução do poder centralizado – idade média –, outro avançou na direção oposta; mostrando assim a pluralidade do mundo do direito.

Outro ponto que merece ser citado é o exílio. Apesar de já existir, era somente um “tapa-buraco” para a sangrenta vendetta. E, a partir deste novo código, é de fato visto de fato como uma solução válida para lidar com o infrator. Nesta ocasião, a justificativa usada pelos gregos é totalmente voltada para a religião: o “miasma”. “Miasma” era um espécime de odor que emanava – como se fosse uma sanção para toda a cidade –; esse “cheiro” também causava diversos males por toda a polis: secas, catástrofes naturais et cetera. Assim, para evitar maiores males a todos e para a purificação do mesmo, exilava-o. Mas, diferente do que parece, não porque o miasma vinha do injuriador, e sim da cólera das vítimas.

Não podemos negar a ligação desse e o último tópico. Pois no momento que a infração começou a ser vista como um mau – não somente a um indivíduo apenas – para toda a sociedade, essa organizou-se em uma instituição capaz de realizar sua vontade (pois é necessária uma punição, e se as famílias já não podem fazê-lo, então é dever de os juízes exercer sua autoridade) isto é: o governo.

Seguindo nessa linha, o segundo código é o de Solon, que, ao fundar a democracia Ateniense, permitiu duas coisas: qualquer cidadão levantar uma queixa (vingança não somente por parte da família, mas de toda a comunidade) e um segundo parecer nos julgamentos. É óbvio que, olhando para tudo já dito anteriormente, o caminho que a Grécia está seguindo: ações públicas e privadas misturando-se.

E para uso de exemplo, usarei o direito penal antigo judeu como comparação. Nessa conjunção, o livro de Levíticos8 – um dos cinco livros que compõe toda lei israelita – permitiu duas coisas: a criação de cidades de refúgio e a capacidade de acusação para qualquer cidadão. Primeiramente, as cidades de refúgio eram como se fosse uma garantia jurídica para os homicidas que gostariam de um segundo parecer no seu julgamento (normalmente naqueles casos culposos). Lá, eles não poderiam ser mortos pelos familiares da vítima, isso era estritamente proibido; era dever do sacerdote local ir até esse homem ouvir seu caso e dar seu parecer, e a partir disso haveria ou uma absorção ou seria realmente dado a pena capital.

No segundo caso, creio que a ideia de que todos podem acusar nos falar muito sobre a noção jurídica de cidadania. Nesse sentido, a ideia que se tinha era que: Deus havia separado um povo para si (Israel), e era o dever deste povo manter-se puro julgando, expulsando e até matando todo aquele que causa mácula. Mostrando deste modo que: a responsabilidade de manter a paz social não está colocada sob um pequeno grupo de pessoas, mas toda a sociedade; e os gregos também compreenderam isto, coisa que dificilmente seria entendida atualmente; pois vive-se em uma época na qual todos os problemas são jogados para políticos corruptos e ninguém tem a capacidade de resolvê-los.

Nessa esfera, antes de partir para o último capítulo, a abordagem vai para a racionalização do direito penal em três tópicos: jurisdição e julgamento(retórica). Jurisdição. Igualmente como na alta idade média, surgiu uma pergunta: quem deve julgar quem? Militares julgam militares, mas e quando um militar comete um sacrilégio, quem deverá julgar? Como reposta a essas e outras questões, foram feitas oito áreas que julgavam cada caso de acordo com sua especialidade.

Julgamento. O julgamento agora passa a ser divido em partes diversas: anakrisis ou prodikasia. Quer dizer, já não está sendo feito simplesmente seguindo uma tradição cega, mas sim a partir de uma ótica racional do objeto. O que anseio dizer com esses dois simples tópicos é que aquilo que falei antes sobre a Grécia ser um “laboratório jurídico” está dando frutos aqui. A racionalização do processo penal nos indica que, agora, os gregos estão realmente interessados em fazer algo prático, justo e duradouro.

E para finalizar a obra, Viviana destrincha sobre a penalidade: sua natureza, evolução e execução. Nessa situação – falando sobre a natureza da coisa –, a autora aborda as diferenças entres vingança e penalização, e para isso cita Danielle Allen9, que afirma: “enquanto a vingança é focada sobre um mal pessoal sofrido, a justiça é produzida por um ator imparcial que não está envolvido com a matéria e age de acordo com a lei”. Hart10, por sua vez, define penalização incluindo: “deve ser uma ofensa às normas jurídicas e deve ser imposta por uma autoridade constituída”. E Nozick11 ensina-nos quatro pontos: 1. Vingança não existe limitação; 2. Penalidade não precisa estar unido por um laço pessoal. 3. Vingança tem prazer envolvido; 4. As penalidades se ajustam a princípios gerais.

Ainda nessa temática, quando penso sobre vingança no direito penal, não posso esquecer de um curioso caso da Bíblia12 que, de acordo com a tradição judaica, nos conta a história da família de um homem chamado Jacó. Certo dia, Jacó acampou perto de uma cidade na qual havia um príncipe, tal homem, movido pela beleza de uma das filhas de Jacó, tomou-a e abusou-a. Logo após, tentando amenizar a brutalidade que cometera, pediu para casar-se com a jovem – chegando até mesmo a pedir sua mão para seu pai, que consentiu com toda a situação –. Entretanto, seus irmãos não aprovaram a decisão de seu pai e, movidos pela cólera, esperaram pela noite e massacraram toda aquela cidade. Desta situação, só consigo ver o perigo de mover-se por vingança, o que, principalmente nas sociedades antiga, poderiam ocasionar em um verdadeiro caos social e a morte de muitas vidas inocentes.

Execução. Antes das polis as infrações que colocavam a sociedade em risco eram condenadas: sacrilégio e traição. Nesse contexto, todo o delinquente era considerado um atimos, um homem marginalizado, esquecido e maltratado. Não podemos negar o quanto isso se parece com o que temos hoje: não importa o crime que é cometido, você nunca mais será visto da mesma forma pela sociedade.

É interessante analisarmos esse tópico pois é perceptível, como veremos a seguir, que tal modelo de pensamento não se sustentou; muito pelo contrário: foi alterado e mudado com o passar dos anos. Se uma sociedade saudável é o que queremos, então certos conceitos ultrapassados – como esse citado – devem ser abandonados.

Execução e evolução. Na era de Homero, as únicas duas infrações que eram consideradas graves, e, portanto, também passíveis de forte reprovação, são: sacrilégio – fere a themis – e traição – fere a dikê –. Nesse contexto, pode-se ver que, na maioria dos casos, a repreensão não é necessariamente patrimonial ou com restrição de liberdade, mas principalmente social; nessa época, todo o delinquente era considerado um atimos, uma pessoa marginalizada, indigna de participar da vida social. Logo, não é algo que envolve necessariamente normas complicadas e estudo de juristas, a própria convivência gera soluções – isto é: direito – visando a paz social.

Posteriormente, com o avançar dos experimentos jurídicos gregos, surgiu a atimia: privação do exercício de todos os direitos ligados à condição de cidadania do indivíduo. A sansão social foi substituída pela jurídica. Comprovando, assim, o que já havia dito em parágrafos anteriores.

Assim, vê-se a clara influência dos gregos para o nosso atual direito ocidental; ele está, às vezes, amostra e radiante e, às vezes, escondido e apagado. Mas está lá. Não podemos escapar deles, o que podemos e devemos fazer é olhá-los, estudá-los, compreendê-los e não repetir seus erros. Pois, não há nada mais tolo do que o homem que retira indiscriminadamente os marcos antigos.

Davi Arruda Silva
Enviado por Davi Arruda Silva em 15/09/2023
Reeditado em 16/09/2023
Código do texto: T7886336
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