Soldados rasos - Frederic Manning

Soldado raso Bourne: um companheiro e um cavalheiro na imundície da guerra

Frederic Manning – Soldados rasos, SP, Carambaia, 2019

Editoras costumam exagerar sobre as qualidades intrínsecas de seus livros em lançamento ou no acervo, mas não posso discordar da Carambaia que, em 2019, escreveu que Soldados Rasos (1929) do inglês Frederic Manning (1882-1935) seria a mais perfeita descrição do cotidiano das trincheiras da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mais especificamente da Batalha do Somme (rio do nordeste da França) em 1916. Obra considerada por Ernest Hemingway como “o mais belo e mais nobre” de todos os livros sobre o conflito, admirada também por gente do calibre de T. E. Lawrence, Ezra Pound, T. S. Eliot e E. M. Forster.

Soldados Rasos, o livro, e seu autor têm histórias próprias – a edição sem cortes só foi lançada na Inglaterra no final dos anos 1970 com todos os palavrões e expressões consideradas chulas para a época em que foi escrito; e Manning, que era o Soldado 19022, seu autor, teve seu verdadeiro nome revelado somente mais tarde, exatamente por Lawrence da Arábia. Assim, é muito interessante ler a apresentação do livro, As Desventuras do Soldado 19022, de Simon Caterson, jonalista, escritor e crítico literário australiano, onde as histórias sobre o livro e seu autor são esmiuçadas.

Também há um pequeno prefácio do próprio Manning, que participou da guerra, da ofensiva franco-britânica contra os alemães, mas o que temos aqui é menos ficção autobiográfica e sim uma narrativa sobre as desventuras de um personagem (de outros também, seus coadjuvantes) que ele criou, Bourne. Um soldado diferente, que estava mais para um cavalheiro do que para um guerreiro. Ele e seus companheiros vivem diferentes episódios que Manning procurou remeter, sempre que possível, para uma atmosfera shakespeareana, tanto que cada capítulo de Soldados Rasos é iniciado com uma citação de uma obra do gênio inglês.

Bourne, ele mesmo um soldado raso, mas educado e proveniente de uma família abastada, preferiu estar sempre com seus companheiros e se recusava a se tornar oficial, o que fez enquanto pode. Sentia-se muito bem nessa posição e pensava ser desconfortável participar da guerra apenas nos bastidores, mandando jovens soldados para a morte quase certa, dada a inutilidade da guerra. Desse modo, o livro descreve muito mais a vida rotineira desses soldados no front, o que faziam para sobreviver ali, e muito menos cenas de guerra, com soldados feridos e mortos, despedaçados etc. Isso ocorre mais próximo do final e então o livro nos comove demais nesse ponto. Aí nos lembramos que soldados rasos de verdade morrem diariamente em guerras atuais, como as que presenciamos hoje no Oriente Médio contra os terroristas islâmicos e na Europa Oriental, porque o facínora russo quer a Ucrânia para si, reconstruir a extinta União Soviética.