Laocoonte, ou Sobre As Fronteiras Da Pintura E Da Poesia – Lessing

Em 1506, em uma escavação nos arredores de Roma, foi achada uma escultura de inigualável perfeição, tanto que, uma ou duas horas após a descoberta, Michelangelo, a pedido de sua santidade, já estava admirando-a e reconhecendo-a como a representação da morte de Laocoonte, sacerdote troiano, e de seus dois filhos pela força e veneno de duas serpentes marinhas enviadas por Apolo como castigo à sua previsão acerca do cavalo dado pelos gregos, reproduzida no poema de Homero; a obra de arte, conhecida como Grupo de Laocoonte, encontra-se até hoje no Vaticano e serviu a Lessing como ponto de partida para a escrita de seu ensaio sobre estética, obra que teve inestimável influência na cena cultural europeia que estava em voga.

Gotthold Ephraim Lessing, poeta, dramaturgo, filósofo e crítico de arte, foi um dos maiores representantes do iluminismo alemão. Seu ensaio, que está aqui sendo brevemente resumido, foi publicado em 1766, e tem como principal tema discussões e análises sobre a arte clássica greco-latina e, como visto no título, delimitando os limiares que separam a criação poética da espacial, como a pintura e a escultura. Vejamos alguns pontos interessantes os quais o autor discorre.

Como mencionado no primeiro parágrafo, a discussão acerca tanto do período histórico no qual foi esculpida como sobre as características técnicas e estéticas, bem como do autor da obra, surgiram imediatamente após a escultura ter sido desenterrada. Lessing discorda da opinião mais corrente à sua época, corroborada na obra de Winckelmann, historiador e arqueólogo alemão, intitulada “História da arte antiga (1764)”, na qual este autor considera a “nobre simplicidade e beleza tranquila” na arte grega o principal motivo de Laocoonte estar com um semblante tranquilo, enquanto Lessing contradiz o argumento, afirmando que os antigos admitem a livre manifestação da dor na literatura e no teatro, mas não nas artes plásticas; argumento este que servirá de pedra fundamental a Lessing na construção da sua tese de que a poesia é superior à pintura e à escultura. Um ponto que Lessing destaca é de que a criação poética é mais adequada para narrar eventos em sequência temporal, pois ela se desenvolve ao longo do tempo, enquanto a pintura e a escultura são mais apropriadas para representar eventos em um único momento. O fato de Laocoonte estar com a expressão facial tranquila, segundo Lessing, se dá pelo motivo de a tensão da cena estar retratada no corpo do sacerdote, com seus músculos e veias totalmente à mostra devido a força que o homem faz para se livrar das serpentes, e que o rosto calmo decorre de uma característica apropriada da arte da escultura, qual seja, a harmonia entre os opostos, e também porque o rosto deformado por conta do horror da cena não seria apropriado para tal arte; inclusive esta tese é elaborada com bastante fôlego por Lessing, visto que no retrato que Virgílio faz de Laocoonte na sua Eneida (poema épico), o sacerdote é representado gritando em todo seu desespero, o que é mais um motivo aparente da superioridade da poesia.

Ao longo do ensaio, Lessing analisa diversas obras de arte, comparando-as entre seus aspectos individuais como entre si, tentando demarcar as fronteiras entre elas, fronteiras que muitos críticos de arte que o antecederam, como também contemporâneos, tentaram aproximar, fazendo com que na maioria das vezes a reprodução de uma obra poética feita com engenhos da arte plástica, ou vice-versa, não capture a devida emoção que a faria uma obra de extrema beleza estética, contradizendo então a opinião da época de que a pintura é a poesia muda e de que a poesia é a pintura falante, lembrando que Lessing compreendia as artes plásticas em geral sob o nome de pintura.

"Laocoonte" é uma obra fundamental para o entendimento da teoria estética, influenciando subsequentes pensadores e críticos de arte. A abordagem de Lessing contribuiu para o desenvolvimento da estética comparada e para a apreciação das singularidades inerentes a diferentes formas de expressão artística, sendo a sua leitura um deleite para os apreciadores da arte em geral, mesmo que sua contemplação seja ao menos para nos levar a mares distantes desse oceano existencial, servindo como uma dose de anestésico para suportarmos o peso da vida.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 24/01/2024
Reeditado em 25/01/2024
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