A peste - Albert Camus

Incríveis semelhanças entre uma ficção escrita há mais de 70 anos e a real pandemia da covid-19

Albert Camus - A peste, RJ, editora Record, 2017

O que mais impressiona em A Peste (1947), o clássico que Albert Camus (1913-1960) escreveu há mais de sete décadas, é que ele dialoga fortemente com aqueles dias terríveis de pandemia: são inúmeras as coincidências entre as situações vividas pelos personagens da fictícia tragédia trazida pela peste bubônica aos habitantes de Orã, cidade portuária argelina, e aquelas que o mundo todo começou a enfrentar desde o início de 2020 com a real pandemia do coronavírus.

Pode-se dizer que é a vida, mais uma vez, imitando a arte, só que agora eram os meios de comunicação que faziam a crônica da tragédia, do mesmo modo que o médico Bernard Rieux nos contava, através da alegoria de Camus, o que se passou naquele longínquo ano de 194... em sua cidade natal, então sob o domínio francês, como toda a Argélia (a independência deu-se somente em 1962).

Camus, premiado com o Nobel de literatura em 1957, cuja obra mais conhecida é, certamente, O Estrangeiro (1942), além de ficção também escreveu ensaios, destacando-se nesse gênero com títulos como O Mito de Sísifo (1941) e O Homem Revoltado (1951). Desse modo, seus romances trazem reflexões sobre questões profundas como a existência humana, o que o aproximou, durante certo tempo, do filósofo e romancista Jean-Paul Sartre, o fundador do existencialismo.

Assim é, que durante a crônica da peste em Orã, fechada para o resto do mundo, o Dr. Rieux nos mostra como os seres humanos se comportam diante de uma tragédia, revelando suas angústias, medos, individualismo, mas também solidariedade, compaixão e esperança. O romance de Camus remete para situações de opressão e resistência, vividas tanto durante a ocupação nazista da França quanto do colonialismo por ela exercido em largas porções da África e Oriente. Nas entrelinhas da ficção corre um bocado de história real.

Finalizando, aproveito para recomendar não apenas a leitura de A Peste, mas também a de outro romance nele inspirado, e que mesmo sem a densidade que Camus imprimiu a sua ficção, consegue manter o leitor interessado o tempo todo. Trata-se de O Último Povoado da Terra, de Thomas Mullen, publicado pela Landscape em 2007. Inspirado no livro de Camus e baseado em fatos reais ocorridos durante a epidemia da gripe espanhola nos EUA no início do século XX, o romance de Mullen não é nenhuma obra-prima como a do escritor franco-argelino, mas é suficientemente bem escrito e envolvente que o faz ir além de um exemplar de simples literatura de entretenimento. Seguramente, é muito mais do que isso.