Prosas apátridas - Julio Ramon Ribeyro

Ótimo livro: pequenos textos para serem lidos e relidos sempre com prazer

Julio Ramon Ribeyro - Prosas apátridas, RJ, Rocco, 2016

Desconhecia completamente Julio Ramon Ribeyro (1929-1994), que escreveu esses duzentos pequenos (e primorosos) textos, alguns com cinco linhas apenas, outros tomando no máximo pouco mais de uma página. O autor esclarece que tais textos não encontravam lugar em seus livros e também não se encaixavam plenamente em nenhum gênero literário específico. Em suas palavras: “(...) não são poemas em prosa, nem páginas de um diário, nem anotações destinadas a um desenvolvimento posterior (...).”

Daí que os juntou neste volume tomando por base Le Spleen de Paris, de Baudelaire, livro que como o dele pode ser lido pelo começo, pelo meio ou pelo fim, não importa por onde. O posfácio de Paulo Roberto Pires traz um pouco da vida e da atividade literária de JRR (ofuscado em parte pelo conterrâneo mais famoso, Mario Vargas Llosa) e ressalta que Prosas Apátridas levou mais de quarenta anos para que fosse apresentado aos leitores brasileiros (edição Rocco é de 2016). Bem, antes tarde do que nunca...

Pires chama os textos de Ribeyro de fragmentos (que não têm nome, são apenas numerados, de 1 a 200) e lembra que muitos deles têm como cenários duas cidades que marcaram momentos especiais na vida do autor: Paris, cidade do exílio (ele viveu cerca de vinte anos na capital francesa) e Lima, sua cidade natal. Um trecho destacado por Pires, do fragmento 136: “Tanto Paris como Lima não são para mim objetos de contemplação e sim conquistas da minha experiência. Estão dentro de mim, como meus pulmões ou meu pâncreas, sobre os quais não tenho a menor apreciação estética. Só posso dizer que me pertencem.” De certo modo é o que acontece com todo mundo que passa por experiências como a de JRR, mas somente um autor inspirado como ele soube colocar tão bem em palavras o que lhe ia por dentro.

Humor, melancolia, reflexão, lembranças... E Pires prossegue citando trechos de outros fragmentos que permitem ao leitor conhecer melhor não apenas o homem, também sua literatura, para a qual não economiza elogios, coloca-a lá no céu. Para ele os textos de JRR “são um admirável exemplo da força e do desconcerto do fragmento literário, no fio da navalha entre a anotação solta, despretensiosa, e a meditada, porém oculta, arquitetura das constelações.” É isso mesmo, tudo parece tão simples numa leitura rápida, mas se pararmos para refletir e relermos os textos com mais atenção, não temos como discordar da observação de Pires: eles são primorosos.

Neles Ribeyro fala sobre uma porção de coisas: livros, literatura, música, filosofia, família, mulheres, pessoas, coisas, objetos, memória etc. Enfim, sobre todas as coisas. Apreciei especialmente este trecho do fragmento 2: “A dúvida, que é a marca da inteligência, é também a tara mais execrável do meu caráter. Ela me fez ver e não ver, agir e não agir, impediu em mim a formação de convicções duradouras, matou até mesmo a paixão e, no fim das contas, me deu do mundo a imagem de um redemoinho onde se afogam os fantasmas dos dias, sem deixar outra coisa além de fragmentos de acontecimentos loucos e gesticulações sem causa nem finalidade.” Mas há muito mais para se ler e pensar sobre, claro.

Finalizando: mesmo não se concordando com tudo o que se lê, ou não se apreciando todos os textos por igual, se com a passagem do tempo Paris ganhou ou perdeu algo daquilo como nos foi apresentada por ele, Prosas Apátridas é um ótimo livro. É daqueles que se pode ler a partir de qualquer página, como já foi dito, mas sobretudo pode ser relido: quando se chega ao final da leitura pode-se voltar ao início, ao fragmento 1 e começar tudo de novo (a não ser que você tenha uma memória fabulosa e se lembre de tudo, o que é bastante difícil). Ou relê-lo daqui a algum tempo. Numa situação ou noutra será sempre prazeroso ter em mãos este pequeno grande livro.