Kanavillil Rajagopalan - Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética

RESENHA

Kanavillil Rajagopalan nasceu na Índia, onde obteve o bacharelado em literatura inglesa pela Universidade de Kerala, mestrado em Literatura Inglesa e em Linguística na Universidade de Delhi. Atualmente é professor titular (aposentado-colaborador) na área de semântica e pragmática das línguas naturais da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pesquisador do CNPq. O autor participa em programas de pós-graduação na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e da Universidade Federal de Tocantins (Campus de Porto Nacional), é diplomado em Linguística aplicada pela Universidade de Edimburgo, Escócia, doutor em linguística aplicada (PUC-SP) e pós-doutor em filosofia da linguagem (Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA).

O escritor já publicou seis livros: Por uma linguística crítica (2003), A linguística que nos faz falhar (2004), Políticas em linguagem: perspectivas identitárias (2005), Applied linguistics in latin America (2006), Nova pragmática: fases e feições de um fazer (2010), Um mapa da crítica nos estudos da linguagem e do discurso (2016). Além dos livros lançados, o autor também colaborou com Yves Lacoste, na publicação da edição brasileira do livro A geopolítica do inglês (2005) e publicou mais de 500 textos (artigos em revistas nacionais e internacionais, resenhas, resumos, capítulos de livros, e textos em anais de congressos). Desde 1996, atua como um dos editores da revista DELTA, em 2015, foi nomeado um dos editores da revista WORD (Nova Iorque) e em dezembro de 2006, recebeu o prêmio de reconhecimento acadêmico "Zeferino Vaz."

Rajagopalan inicia sua obra com o capítulo a linguagem e a ética, onde observa que a língua é vista como um fenômeno, ou seja, algo que possui livre e espontânea vontade humana, o que torna complicado discorrer sobre suas questões éticas. Posteriormente, faz uma crítica à corrente gerativista que segundo ele demonstra certa ambiguidade sobre a ética do teórico da linguagem.

No segundo capítulo, linguagem e identidade, Rajagopalan expõe que toda elaboração de teoria exige como primeiro passo a identificação e a delimitação do objeto de estudo, contudo, embora isto também abranja a linguística, a utilização do objeto de estudo como instrumento de análise a torna diferente das demais disciplinas. Apesar disto, alguns ramos da linguística foram delimitados para que não haja influência do objeto de estudo visando colocar a linguística no mesmo “patamar” das demais ciências, no entanto, a relação entre o objeto e o instrumento de estudo ainda é feita. No terceiro capítulo, o professor discorre sobre a linguagem possuir como principal função a de representar o mundo e que este fato está presente na maioria das teorias linguísticas.

Em seguimento, no quarto capítulo, o autor expõe que a explosão da linguística no Brasil é uma reprise de algo que já esteve em evidência na Europa e nos Estados Unidos, contudo, alguns países diminuíram a demanda pela linguística acarretando o fechamento de departamentos, desta forma, os departamentos restantes se tornaram prestadores de serviço de longa distância, e pesquisadores da linguística migraram para outras áreas. O autor diz que apesar de alguns pesquisadores se convencerem da consciência social do linguista e que exista um acordo sobre a função social e responsabilidade do linguista diante da sociedade, é prematura a ideia de uma reviravolta acerca dos acontecimentos na área linguística.

O professor destaca, no quinto capítulo de sua obra, que na linguística a ética está presente na linguagem, em seguida três posturas teóricas: a racionalista, a pragmatista e a marxista. Na primeira, Rajagopalan (2004, p. 53) descreve como a postura que “inocenta a razão de qualquer consequência prática”, a segunda traz o argumento de Rorty o qual discorre que nenhuma teoria possui consequências, e o terceiro segue a ideia trazida na obra a miséria da filosofia de Karl Marx que discorda com a primeira postura, a racionalista e traz a ideia (2004, p. 54) de que “uma filosofia não voltada para a práxis, que não se interesse em transformar o mundo, não teria nenhuma serventia”. O escritor deixa claro que a corrente racionalista e a pragmatista repulsam o vínculo entre ética e ciência, enquanto a corrente marxista defende a ideia de que uma teoria linguística pode ser tanto neutra quanto evidente à ética.

Rajagopalan aborda no sexto capítulo a conexão das diferentes línguas em meio à globalização, neste capítulo o escritor fala sobre as mudanças na identidade linguística resultadas do mundo globalizado e expõe que a influência estrangeira nas línguas nunca foi tão submetida como atualmente. O autor também frisa que o leigo promove o pensamento de que o falante ideal é aquele que não sofre influência de outros idiomas, ou seja, defendem a individualidade linguística com a ideia de que uma língua pode sobrepujar outra. O professor diz que a chance de um idioma não ser influenciado por outro está longe de acontecer, visto que, a globalização une cada vez mais as culturas e dá espaço para as línguas antes consideradas de menor importância.

No décimo primeiro capítulo, é exposto que a palavra xenofobia vem do grego xenos que pode significar tanto estranho quanto estrangeiro, após mostrar a origem da palavra Rajagopalan explica que para cada idioma o estranho/estrangeiro é o que não se compreende com a mesma facilidade que em sua própria língua, o autor também salienta que é a acessibilidade ao entendimento do que se diz que faz um indivíduo se comunicar com outro e define a linguagem como algo além da atribuição da função de meio de comunicação. O professor explica que a linguagem é um veículo de interação social que foi, e ainda está sendo desenvolvido desde o homem primitivo com o objetivo de manter a interação e a formação social, neste sentido um idioma que julga as palavras de outro menos “conceituadas” e não aceita vínculos com tais palavras, acarreta na diminuição do desenvolvimento e interação entre nações e culturas.

O autor expõe no décimo segundo capítulo que existe uma discussão acerca do uso abusivo de palavras e expressões estrangeiras entre os brasileiros. Aqueles que são contra a aquisição de tais palavras e expressões desejam acabar com isto e julgam ser uma ofensa ao patrimônio nacional. Por outro lado, os linguistas que segundo Rajagopalan (2004, p. 100) são os “profissionais interessados em desvendar os mistérios da língua e pensar sobre a melhor maneira de construir teorias sobre ela”, acostumados em criar e seguir teorias ainda não haviam tomado uma atitude em relação à linguística no âmbito político, sendo surpreendidos pelas tentativas dos leigos de conter o avanço das línguas estrangeiras no território brasileiro. O escritor revela que os manuais de linguística, em geral, desfazem esta ideia de linguagem concebida pelos leigos, também expõe que o preconceito pela língua estrangeira tem como suporte em seu discurso as gramáticas tradicionais que não sofreram modificações pelos atuais métodos linguísticos. Rajagopalan (2004, p.104) finaliza a discussão sobre o assunto expondo que “é preciso, com urgência, encarar a dimensão política da linguagem, sob pena de sermos ultrapassados pela marcha dos acontecimentos ao nosso redor”.

Rajagopalan (2004, p.123) expõe que a linguística crítica se apresenta como um movimento consolidado e que “aos poucos, o linguista vai recuperando seu verdadeiro papel enquanto cientista social, com um importante serviço a prestar à comunidade”. O autor explica que para tratar da linguística de maneira crítica é preciso se abster de ideias pré-estruturadas sobre a área, expõe também que os linguistas estão se conscientizando cada vez mais sobre a ciência ser uma prática social.

Ao fim da sua obra, o autor discute a relação do leigo com o linguista e retrata a discordância entre as duas partes, uma vez que, o leigo se recusa a formalizar um movimento contra o estrangeirismo que, segundo eles, deturpa a imagem da língua nacional, enquanto os linguistas apontam a falta de veracidade na reação dos leigos sobre o estrangeirismo. O autor usa como exemplo de sensacionalismo dos leigos o fato deles falarem de estrangeirismo utilizando o inglês, um idioma que por sofrer influência de outras línguas possui uma terminologia rica e volátil, como exemplo. Por conseguinte, o escritor faz uma crítica sobre linguistas que possuem mais relação com cientistas de áreas do conhecimento diferentes da sua que com os leigos, através desta crítica o autor salienta a ideia de que o interesse nos anseios populares é uma questão política e revela (2004, p.135) que a linguística “ainda sofre de uma decisão tomada no seu momento inaugural, a de se aliar às ciências exatas”, revelando que isto desencadeou o distanciamento da linguística do interesse popular colocando o título de ciência acima da relevância social.

Em sua obra, por uma linguística crítica, Rajagopalan discute temas e situações linguísticas atuais, de forma que estas situações são atreladas ao cotidiano dos linguistas, embora esta segunda edição do livro tenha sido publicada em 2004 seu conteúdo é bastante atual e possui grande valia para aqueles que pesquisam sobre a situação da linguística na atualidade.

A obra possui dezessete capítulos bem distribuídos nos quais se comunicam no seu decorrer. Apesar de conter algumas informações repetidas a obra não é afetada pela retórica, sendo de fácil entendimento daqueles que estudam o tema devido o uso de uma escrita que seja coesa, coerente, e de fácil entendimento do leitor. O livro é indicado a estudantes e professores de línguas em geral, visto que, possui conteúdo altamente relevante e de suma importância para estudantes e pesquisadores que buscam conhecer ainda mais sobre a ciência da língua.

Referência:

RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. 2ª edição. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. 143 p.