Os náufragos do Wager - David Grann

Quem apreciou Z, A Cidade Perdida e Assassinos da Lua das Flores, certamente também vai gostar de conhecer a história do naufrágio e os náufragos do Wager

David Grann - Os náufragos do Wager, SP, Companhia das Letras, 2024

David Grann é um escritor que leva para a literatura as técnicas desenvolvidas no jornalismo investigativo – ele atua nisso desde 2003 para a New Yorker –, daí que os títulos (e subtítulos) de seus livros parecem manchetes jornalísticas. E o conteúdo deles sempre vai surpreender e mesmo fascinar o leitor pela quantidade e qualidade das informações, o modo como ele as traz para o texto, como se estivéssemos lendo uma ótima, longa e quase sempre dramática reportagem num jornal ou revista. Ou um romance de aventuras, que é com o que este livro e os outros citados se parecem bastante.

Dizem que Os Náufragos do Wager também vai virar filme ainda em 2024, o que já ocorreu com Z, A cidade Perdida em 2016 e Assassinos da Lua das Flores em 2023. Todos os três livros são bastante cinematográficos: quando você os lê parece que está vendo as coisas acontecendo na sua frente. E vai ficando aflito, sofre com os personagens e as situações, porque as histórias que Grann conta são essencialmente trágicas, cheias de aventuras e reviravoltas, sofrimento, provações, doenças, lutas, determinação...

Os Náufragos do Wager reconstitui a história real de um naufrágio no século XVIII, também a impressionante história de seus sobreviventes. Tudo começa com a partida, em 1740, do Wager, navio britânico que fazia parte da esquadra enviada em missão à América do Sul via Cabo Horn: era a época em que as potências européias lutavam para expandir seus impérios. A Inglaterra, que já possuía colônias ao longo da costa leste americana estava agora em ascensão, decidida a romper o domínio de sua rival, a Espanha, o império dominante na América Latina.

Mas no fundo, o que os ingleses pretendiam mesmo com sua esquadra, à qual foi acrescida uma chalupa (pequena embarcação com um ou dois mastros, usada sobretudo para navegação de cabotagem) era tomar os navios espanhóis que então circulavam pelos mares, abarrotados de metais preciosos e ou mercadorias provenientes das colônias da costa do Pacífico e da América do Sul até as Filipinas. Ou seja, pirataria disfarçada de um suposto enfraquecimento das diversas possessões espanholas espalhadas pelo mundo, “pura ladroagem”, como escreve Grann.

Para contar a fascinante história do Wager, Grann dividiu o livro em cinco partes, cujos títulos já dão uma ideia do que o leitor vai encontrar em cada uma delas: I: O mundo de madeira; II: Dentro da tempestade; III: Náufragos; IV: Libertação; V: Julgamento. Na primeira, ele narra como eram as embarcações da época, fundamentalmente de madeira, como eram construídas e o pessoal que depois iria nelas navegar, a tripulação, com vários detalhes sobre os personagens centrais.

Eles eram: David Cheap, primeiro-tenente do Centurion, a nau capitânia da esquadra; o capitão George Anson, escolhido pelo Almirantado para ser comodoro e liderar a esquadra de guerra contra os espanhóis; John Bulkeley, o artilheiro do Wager, responsável por todos os instrumentos de morte (armas) do navio; John Byron (avô do conhecido poeta Lord Byron), um “jovem cavalheiro honrado” (nobre) voluntário na missão, influenciado pelas histórias do mar que lia, além de outros personagens secundários.

Com a segunda parte começa a aflição, o sofrimento e a morte de vários marinheiros, por diversos acontecimentos, não apenas por conta do escorbuto, a péssima alimentação que recebiam, os piolhos, percevejos e ratos que infestavam as naus etc. As constantes tempestades que tinham de enfrentar, as duras condições climáticas e geográficas do extremo sul da América contribuíram enormemente para que a missão inglesa se transformasse num pesadelo para todos e provocasse o naufrágio do Wager próximo de uma ilha deserta na Patagônia.

O Brasil é mencionado diversas vezes na história, mas entra de fato nela somente em 28 de janeiro de 1742, cerca de dois anos após a partida da esquadra da Inglaterra. Foi quando um grupo de homens em estado desesperador chegou ao nosso litoral: eram sobreviventes do naufrágio, viveram abandonados durante meses e sob circunstâncias adversas, construíram com os destroços do Wager o próprio navio e viajaram por mais de cem dias, sendo então recebidos como heróis.

Ocorre que seis meses depois outra nave acabou chegando à costa chilena, desta vez com apenas três náufragos e uma narrativa muito diferente: os trinta marinheiros que desembarcaram no Brasil não seriam heróis, e sim amotinados. De volta à Inglaterra todos seriam julgados pelo Almirantado pelos acontecimentos que envolveram não apenas a perda do navio, também um motim, traição e o assassinato de um marinheiro, o que poderia levar pessoas importantes para a forca.

Surgiram diversas versões do naufrágio e do papel dos atores principais, quase sempre na forma de livros, muitos. Contadas pelos participantes, mas até mesmo por quem jamais havia posto os pés num navio antes. O interesse da população para saber dos acontecimentos era enorme. Talvez igual ou maior do que o nosso para saber o que aconteceu de fato com David Cheap e John Bulkeley, os grandes implicados dessa trágica aventura.