RILKE: CONSELHOS A UM JOVEM POETA

Quem entre os aspirantes a escritor não manifesta algum receio de expor o que escreve, temendo julgamento mais duro da crítica? Muitos persistem nessa dúvida pelo resto de suas vidas, guardando a sete chaves os seus textos, sem coragem de expô-los. Outros se contentam em mostrar para amigos mais próximos ou publicá-los em edições artesanais de circulação restrita. Mas há também os mais audaciosos que procuram as editoras e fazem de tudo para ter o reconhecimento público. Nesse grupo encontram-se os que, esperando obter uma palavra de incentivo, enviam seus originais para algum autor consagrado, com a clássica pergunta: será que dá para publicar? Quase sempre não recebem resposta, nem tampouco ficam sabendo se o seu texto foi lido.

Mas não foi o que aconteceu aos poemas de Franz Xaver Kappus, no começo do século XX. O jovem oficial germânico, aspirante a poeta, enviou os seus escritos a ninguém mais ninguém menos que Rainer Maria Rilke, o maior poeta de língua alemã do século passado. A sua carta mereceu uma polida resposta e, mais que isso, marcou o início de um intercâmbio literário que duraria seis anos.

Em 1929, três anos após a morte do poeta, Franz Kappus publicou essas cartas com o título original “Briefe an einen jungen Dichter”. No Brasil a tradução de Pedro Sussekind tem o título “Cartas a um jovem poeta”, editada em 2006, reimpressa em 2007 pela Editora LP&M.

Como uma boa edição de bolso, o livro não se limita à reprodução das cartas de Rilke. Apresenta um resumo biobibliográfico do poeta que publica o seu primeiro livro “Vida e canções”, em 1886 e os dois últimos “Pomares” e “Quartetos de Valais”, em 1926, na França, um ano antes de sua morte.

“Cartas a um jovem poeta” são dez textos reveladores de um Rilke prosador tão excelente quanto o foi na poesia. Com elegância e concisão, ele não se limita a dar conselhos ao jovem e novo amigo, sempre com orientações abalizadas para o exercício de sua vocação poética. A discussão de questões filosóficas e comportamentais é recorrente em todas as cartas: religião, sexualidade, solidão, amor, a descoberta do eu e suas implicações ontológicas. Enfim, uma visão existencialista como transparece em trecho da nona carta: “De resto, deixe a vida acontecer. Acredite em mim: a vida tem razão em todos os casos” (p.86).

Detenho-me aqui na primeira carta, onde se encontra talvez a principal entre as lições do mestre. Ao noviço ansioso por saber o que os outros pensam dos seus versos, ele recomenda não se preocupar com isso: “O senhor olha para fora, e é isso sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo” (p. 24-5). Se essa busca da interioridade e o “aprofundamento em seu próprio mundo resultarem em versos” prossegue Rilke, “não precisa perguntar a alguém se são bons versos. (...) Uma obra de arte é boa quando surge de uma necessidade. É no modo como ela se origina que se encontra seu valor, não há nenhum outro critério” (p. 26-7).


Na esteira desse raciocínio, Rilke recomenda aos mais novos, a princípio, não começar escrevendo poemas de amor por constituírem as formas mais usuais, comuns e difíceis, a um só tempo. Ao que a primeira vista seria um contra-senso, pelo fato de todo poeta novo gostar de fazer poesias de amor, ele argumenta: “são elas as mais difíceis, pois é necessária uma força grande e amadurecida para manifestar algo de próprio onde há uma profusão de tradições boas, algumas brilhantes” (p.25). Isso quer dizer, em outras palavras, que ao novato seria melhor começar escrevendo sobre o seu quotidiano, expressando coisas do seu ambiente, suas tristezas e desejos, imagens de sonhos, pensamentos súbitos e passageiros, enfim, a crença em alguma beleza. E aos que consideram pobre a sua própria vivência quotidiana, esses não seriam poetas de verdade, porque ao criador não existe pobreza de ambiente ou insignificância de experiências: “Mesmo que estivesse em uma prisão, cujos muros não permitissem que nenhum dos ruídos do mundo chegasse a seus ouvidos, o senhor não teria sempre a sua infância, essa riqueza preciosa, régia, esse tesouro de recordações?”, arremata ele (p.26).

Mas nenhuma dessas recomendações bastaria se faltassem ao poeta, ou ao artista de um modo geral, tranqüilidade e paciência para auscultar o que vem de dentro de si como algo que não pode ser forçado por pressões externas. Cada impressão, cada sentimento criativo deve germinar como uma semente na escuridão do inconsciente para nascer no momento certo, sem nenhuma medida de tempo. Ou seja:

“Ser artista significa: não calcular nem contar; amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades da primavera, sem o temor de que o verão não possa vir depois. Ele vem apesar de tudo. Mas só chega para os pacientes, para os que estão ali como se a eternidade se encontrasse diante deles, com toda a amplidão e serenidade, sem preocupação alguma. Aprendo isso diariamente, aprendo em meio a dores às quais sou grato: paciência é tudo!” (p.36).

Para concluir, não seria demais dizer que a leitura do livro é obrigatória para poetas iniciantes ou não. Nessas dez cartas hão de encontrar lições valiosas para aprimorar a sua arte de versejar.

Agrada também a apresentação de Pedro Sussekind que faz um interessante registro do interesse despertado pela obra de Rilke no Brasil, principalmente entre os poetas da assim chamada Geração de 45. Segundo ele esses poetas teriam desencadeado o “rilkeanismo” em língua portuguesa. Vale a pena conferir.




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* RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução de Paulo Sussekind. Porto Alegre: LP&M, 2007, 96 p.; 18 cm. (Coleção LP&M Pocket Plus).