O amante de Lady Chatterley - David Herbert Lawrence

O que mais pode-se comentar de um clássico que a maioria dos meus leitores já tiveram em mãos? Bem, mesmo sabendo disso, e abusando de minha ousadia, compartilho com vocês algumas possíveis obveidades mas também uma reflexão que me parece relevante.

Sempre quis saber o porquê de certas obras serem clássicos, serem atemporais e a o mesmo tempo, o porquê de algumas pessoas focarem certas leituras e também suas versões para cinema , teatro ou televisão, exatamente da forma que não deveriam ou que empobrecem a obra em si.

Outra coisa: propus-me, além de estudar para "n" concursos, preencher as madrugadas insones com o projeto "Releia aos 40 e tantos o que você leu aos 20 e poucos" e tenho ficado supreendido com o resultado.

"O amante de Lady Chatterley" foi um daqueles livros que só faltaram serem queimados na fogueira (se é que não foram) , tendo a sua publicação proibida na Inglaterra. Sempre que isso acontece pergunta-se o porquê e tenta-se entendê-lo no contexto de uma pretensa liberdade que de fato nunca foi, é ou será real.

"O amante..." e Lawrence por extensão, foram perseguidos porque colocam o dedo fundo na ferida da sociedade inglesa, do capitalismo, fazendo uma crítica feroz de uma sociedade pútrida e de uma estrutura social inadaptada aos tempos que corriam, preconceituosa, falsa, hipócrita e que se movia ao sabor da moralidade tacanha e das conveniências.

Talvez Clifford seja o símbolo dessa decadência, o amargo inglês, paralítico e impotente que me parece um digno representante do estamento social que representa. Um ser que apenas resumiu sua existência à posse de uma mulher , Constance, e a missão de ganhar dinheiro.

Constance é uma mulher fora de seu tempo, no sentido que intelectualizou-se e vivenciou coisas pouco próprias da mulher sua contemporânea. Permitiu-se, sem qualquer auto-censura, buscar a satisfação quando lhe faltou mesmo que constantemente vivesse com um "pé em cada canoa": ao mesmo tempo que amava Mellor, inquestionavelmente, por muito tempo "operou" na perspectiva de manter o clã de Clifford, missão da qual abriu mão à medida que percebeu-se jogando um jogo que não poderia ser ganho.

Nessa dinâmica, a sociedade inglesa do pós primeira guerra , ou seja, dos chamados "anos loucos" foi cruelmente esmiuçada em todos os seus vícios, misérias e , como já disse, decadência.

Também é importante notar que nesse livro faz-se uma prospecção que se confirmou e segue confirmando-se sobre o capitalismo, um ente gerador de insatisfações, de falsidades e de ambição desmedida.

A solução que ele eventualmente aponte, ou seja, o socialismo, infelizmente não mostrou-se satisfatório e muito menos cumpridor da emancipação proposta ao operariado que o livro desenha.

Ler "O Amante de Lady Chatterley", portanto, é fazer um exercício de reflexão que poucos, chamados pela eventual licenciosidade das cenas de sexo, não se propõe a fazê-lo.

Aliás, gostaria de fazer breves considerações sobre a própria essência do erotismo contido na obra. É importante notar que apesar das descrições que possam eventualmente estimular imaginações, as cenas contém também seu grau de contestação. O sexo de Constance não é amarra, não é um instrumento de "traição" pura e simples, carregando em si um grito , que alguns podem julgar inadequado, de liberdade.

Com Clifford o "não-sexo" dado pela impotência era uma negação da própria essência de Constance, da ligação mais profunda (consqüentemente íntima) que ela fazia consigo mesma, permitindo-se, em relativa liberdade, sentir-se protagonista da própria história e menos um joguete destinado a mantê-la amordaçada com algo , sua própria realização enquanto mulher, gritando dentro de si.

Nesse sentido, a visão de Lawrence , notável para um homem, é uma antecipação de algo que viria mais à frente, ou seja, a mulher com dona do próprio corpo e do próprio prazer, mesmo que a contradição exposta anteriormente (o amante ou a manutenção do clã) demonstrasse dúvida ou mesmo rejeição desse fato.

Para mim, nada mais falso. Quando Constance opta por divorciar-se de Clifford, não é apenas à ele que rejeita mas também ao "status quo" dele. O título de "Lady" nada mais é do que uma amarra indesejável, por isso permito-me fazer a leitura libertária que me proponho a fazer, relembrando e contextualizando o conceito do feminino que poderia ser resumido, sem quaisquer dúvidas, no princípio vitoriano do "ladies don't move" (damas não se movem) não apenas na cama como também na sociedade, colocando-se, voluntariamente ou não em submissão ao homem, um paradigma que , ao meu ver, ainda carece de ser rompido em sua total extensão.

Não foi apenas a carga erótica que granjeou a proibição a publicação do livro mas , ao meu ver, a crueza da verdade jogada ao rosto de quem não propõem-se a vê-la. Aliás, desconheço sociedade que não se incomode quando isso acontece. Uma leitura obrigatória!

André Vieira
Enviado por André Vieira em 31/01/2008
Código do texto: T840584