Carta a uma Nação Cristã

Livro: Carta a uma Nação Cristã

Autor: Sam Harris

Ter a fé atacada da forma como o filósofo ateu Sam Harris faz é algo assustador e dói de forma quase inevitável. Porém é sempre bom analisar as possibilidades e rever os conceitos. Sugiro que façam como eu, que tenho uma posição, claro, mas não deixo de estudar textos só porque vão contra o que defendo. É este o problema da guerra de visões do mundo: segregar pelo palpite religioso, restringindo-se a apenas dizer “concordo” ou “discordo”, como sendo superiores à verdade. Devemos estar sempre buscando o melhor.

O livro é uma forma muito saudável de entender o lado ruim dos dogmas e ilusões das religiões. Quanto a este ponto ofereço todos os elogios. Porém, com suas idéias, diz querer resolver, só que nada resolve. Parece querer anular o lado emocional dos seres humanos, porém ignora o fato de nós, sendo regidos pela evolução, temos a capacidade de crer como uma adaptação evolutiva. Tal capacidade só poderia ser muito necessária, já que foi aprovada pela seleção natural. Pedir que se abra mão dessa característica é pedir para ir contra a natureza que ele próprio aceita.

Religião e mitologia, realmente, trazem muita intriga e segregação – como Sam Harris explica lindamente, porém as capacidades de crer, de acreditar, de ter esperança, fazem parte da vida de qualquer ser humano. Colocar nas mãos de “Deus” é algo que apenas facilita o direcionamento de tais sentimentos. Não acredito que, se a esposa dele ficar em coma, ele não irá ter sentimentos de fé em relação a ela, embora um simples “tomara” já esteja incluído no que ele abomina. Sua idéia é que deve haver motivo básico para tudo (acabo me perguntando se ele quer mesmo que encontremos os melhores motivos antes se sentirmos pena, antes nos apaixonarmos por alguém...). E quanto a, por exemplo, famílias que se alimentam de restos do lixo, a esperança em homens será confortante o suficiente para elas continuarem vivendo?

Ao perceber erros morais em ensinamentos do Velho Testamento, Sam Harris julga-se no direito de condenar também o Novo Testamento, alegando que, na Bíblia, ou é tudo sagrado ou não é, ou é tudo verdade ou não é, ou é tudo certo ou não é. Mostrando que negou qualquer consulta a algum teólogo para entender a função história do Novo em relação ao Velho, visando assim manter perfeitos e intactos os poucos argumentos que achou em sua busca desesperada.

De forma quase ridícula, parece querer anular a existência do conhecido Jesus Cristo quando levanta a hipótese de que seu enredo foi adaptado pelos que a escreveram, com a intenção de realizar a profecia do Velho Testamento sobre a vinda de um filho de Deus. Parece querer considerar os escritores da Bíblia como uma grande máfia, que abria mão de tantas coisas para se divertir inventando historinhas para gerações futuras - embora não fossem estar mais aqui para rir de suas caras. Sam Harris aproveita as falhas nas Escrituras para difamar toda a amorosa vida do maior exemplo que a história já teve, da mesma forma que um religioso usaria as coerências para idolatrá-lo com todas as forças.

Apesar de as descobertas mostrarem cada vez mais que nem tudo é como se pensava, sempre poderemos olhar para a grandiosidade do nome de Jesus Cristo. Será que foi à toa que seu nascimento tornou-se o ponto de partida na contagem dos anos na maioria das civilizações? Será que foi à toa que pessoas divulgaram com prazer os ensinamentos e milagres que ele proporcionou? Será que foi à toa que seus discípulos decidiram dedicar suas vidas a propagar as histórias dele? Será que foi à toa que se esforçaram ao máximo para que acreditássemos nos fatos marcantes de sua trajetória pela Terra? Afinal, será que foi à toa toda a importância e fama de Jesus Cristo e a Bíblia? O autor não se atreveu ou não foi capaz de responder a estas essências do cristianismo.

Sam Harris deixa seis conclusões básicas. Mostra ser dono de todas as grandes virtudes morais, exceto a humildade. Mostra ser um dos céticos mais sensatos da atualidade, porém é evidente a manipulação egoísta causada por sua ânsia à revolta exagerada. Mostra também que estudou e se aprofundou em diversos argumentos que as grandes religiões sustentam, porém aparenta jamais ter entrado em uma igreja. Mostra que aprendeu todos os principais estudos científicos sobre a matéria, porém fica claro que ignorou completamente a espiritualidade humana, como também nunca leu a síntese do BioLogos. Mostra que dedicou toda sua vida para anular o Deus alheio, mas não explicita nenhum sentido nobre nisso. Mostra-se vitorioso em todas as suas linhas, ao mesmo tempo em que se limita apenas às questões que pode vencer.

Carta a Uma Nação Cristã é um livro que estimula a expansão do raciocínio, mas não deve servir para anular a capacidade de ter fé em algo. Sua vontade em unir e pacificar a civilização através do fim do apego à mitologia é algo que não pode ser deixado de lado. Porém creio que, melhor que abdicar de algo, é corrigi-lo; ou seja, melhor que escolher entre razão e fé é usar os dois da melhor da forma (não é apagando a fonte de esperança dos que a necessitam que tudo passará a ser perfeito). Sam Harris, como todo ateu convicto, comete este deslize: acha que derrubou um Deus sobrenatural, quando está apenas desmentindo homens naturais.

Cláudio Theron
Enviado por Cláudio Theron em 18/02/2008
Reeditado em 18/02/2008
Código do texto: T864584
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