"Bill Hicks"

Finalmente, depois de anos e anos a olhar para a cara dele no inlay de um dos meus cd's favoritos de todos os tempos ("Aenima", dos Tool), consegui perceber porque é que Maynard James Keenan dedicou um álbum à memória de Bill Hicks. Hicks era um génio do stand-up na década de oitenta e início da de noventa.

Um pouco ao estilo iconoclasta de George Carlin, Bill Hicks dava-lhe forte e feio no sonho americano. Com humor, tentava abrir os olhos do público para as incongruências religiosas, políticas, educacionais, económicas da maior potência mundial usando linguagem crua, a preto e branco, não fosse a mensagem passar despercebida aos espectadores de qualquer um dos trezentos shows que ele fazia todos os anos.

Engraçado, reparei que muito do que ele dizia surge hoje em dia nas piadas de Dennis Leary e, especialmente, de Bill Maher. Tantas tiradas geniais que eu pensava serem de Bill Maher são, na verdade, de Bill Hicks, e ainda não decidi como é que esse facto me faz sentir em relação a Maher (que admiro imenso).

Hicks abusava de drogas, e fumava febrilmente, mesmo em palco. Como piada, dizia que gastava dois isqueiros por dia e defendia o seu vício com unhas e dentes. Achava que fumar apenas lhe atalharia uns sete anos de vida. Morreu aos 33 anos, em 1994, de cancro no pâncreas.

Vi alguns dos seus shows em dvd e adorei. O espectáculo era intenso e variava entre o humor observacional e o perturbador. Hicks tão depressa tinha o público na mão a rir-se como a seguir o jogava fora com tiradas sobre sexo e jovens raparigas, especialmente aquelas que pululavam na cena pop da altura. Atacava os jornalistas e os publicitários com o mesmo humor brutal com que expunha a podridão dos políticos e dos líderes religiosos.

E o curioso é que Hicks tinha um rosto muito parecido com o de um Kevin Spacey quinze anos mais novo do que o actual. Muitas vezes terminava os seus shows com uma mensagem humanista, mas o homem era um misantropo desiludido com a sociedade e a humanidade e não raras vezes atacava com violência o público que pagava para vê-lo.

O seu material acabou por ser demasiado vívido para a televisão americana quando uma participação sua no programa de David Letterman foi cortada por inteiro, o que gerou em Hicks uma fúria tal que escreveu à mão uma carta de trinta e nove páginas ao produtor. Nunca mais voltou à televisão na América.

Nem sempre bem digerido pelas audiências americanas, Bill Hicks atravessava regularmente o Atlântico para espectáculos no Reino Unido onde era idolatrado ao ponto da Câmara de Lordes ter assinalado o décimo aniversário da sua morte em 2004.

Pessoalmente, aprecio os comediantes de stand-up que fazem da crítica sociopolítica o tema das suas performances. Adoro o Robin Williams mas o humor dele é mais abrangente. Cómicos como George Carlin e Bill Maher são as minhas referência no stand-up, e agora, Bill Hicks também passará a ser.

Dos três, apenas Maher está ainda vivo. Talvez seja o herdeiro dos outros dois. Só por isso o perdoo ter-se apropriado do legado (material) de Bill Hicks.

Nuno Lopes
Enviado por Nuno Lopes em 06/01/2010
Código do texto: T2014069
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