Um espetáculo de homem - reflexão sobre a peça Luis Antônio - Gabriela da Cia. Mungunzá de Teatro

Quando se assiste um espetáculo considerado arrebatador, o encontro do público com a obra precisa acontecer sob a sombra da inocência. Ir para o teatro embuído da opinião de críticos e amigos pode se revelar uma armadilha para a compreensão do conteúdo artístico que o espetáculo deseja transmitir.

Luis Antônio - Gabriela antes de ganhar o status de uma peça excelente - não que esse escritor deseje assim conceituá-la sem antes considerar que características são essas que a elevaram a tal patamar, isso seria de uma precipitação indelicada - a peça deve ser encarada como um trabalho extremamente particular, longe de um possível enquadramento dramático, sob pena de incorrer em alguns riscos.

O primeiro grande perigo é assistir o espetáculo esperando que a obra alce uma defesa pictórica sobre a homossexualidade. O trabalho que o próprio diretor chamou de documentário cênico é um esforço que não se envolve conscenciosamente com uma luta de classe. Ela perfaz um discurso dentro do universo da família e se propõe a narrar uma história que traz um homem e sua vida como elemento nefrálgico da trama.

Engana-se, no entanto, quem considera que a peça não pretende, mesmo que secundariamente, relacionar-se com as modernas discussões a respeito das diferenças humanas. E, nessa sutileza, consegue alcançar uma aproximação com o público inteiro, causando uma relação identitária com o humano muito mais do que com um único grupo.

Deve-se também entender que a peça caminhou livre pelo terreno brechtiano e suas influências são muito visíveis, ainda que, ela não se realize tomando suas teorias como única referência. Há uma poderosa liberdade criadora nutrida pelos artistas de forma que esse não é um espetáculo da palavra, mas do ato onde o sentido se gera.

Preciso dizer que o estranhamento sentido com os recursos épicos controlam pouco a emoção do público. Talvez até pelo motivo de ele ter sido menos empreendido da metade do espetáculo para frente. A verdade, contudo, é que a sensibilidade do tema é profunda e receio que, caso o grupo não tivesse optado por causar certos afastamentos com o público ao longo da apresentação, os efeitos da comoção poderiam se revelar nocivos para se atingir os objetivos catárticos do diretor.

No final do espetáculo, a plateia se divide entre os agudos prantos, os comovidos, porém, contidos e algum outro grupo que infelizmente ainda não soube categorizar - sobretudo porque faço parte dele. O que entendo é que fui assistir à peça esperando que minha alma se enlevasse numa profusão de sentires e que me arrebatasse num choro respeitoso por Luis Antônio. Mas a história me acessou em outro lugar, um lugar onde o respeito me trouxe uma postura incólume. Nunca foi frieza! Foi vontade de pensar e pensar sobre o que somos nessa esteira veloz do tempo.

Isso posto, digo que Luis Antônio - Gabriela ganha o status de obra-prima, porque rompe a fronteira da sapiência artística e da inovação estética para compor uma arte que lhe contrange a ser ainda mais humano. Uma arte assim, deve ser aplaudida.