RECADO A MARIA

Maria, quando a sós, lá uma hora

pensares um momento no passado,

lembra meu nome, lembra meu cuidado

em te amparar, abrir-te a vida a aurora.

Tudo se foi. Mas se te lembra agora,

teu velho amigo, esquivo e ultrapassado,

talvez sintas o mundo idealizado,

o que sonhamos, e não foi, senhora...

E buscarás meu nome então, mas, onde?

em que mundo perdido ele se esconde,

que não o vês nem ouves mencionado?

Ah, Maria! Ainda vivo. E simplesmente

eu jamais te esqueci. És-me presente

na saudade de eterno namorado...

28.07.79

II

Certo, Maria, não verás meu nome,

na invasão de notícias dos jornais,

na nota oficial que nos consome

na renda do cacau, dos cafezais.

Sem freqüência às colunas sociais,

sem anúncios, sem torso em que se engome

o brilho fulgurante dos postais,

aí, Maria, não verás meu nome.

Entretanto, se leres o escondido,

da página onde escrevem os poetas,

hás de vê-lo, o meu nome, referido.

Hás de encontrá-lo com imenso apreço

firmando à velha moda dos estetas,

um soneto de amor, pois não te esqueço.

28.07.79

III

Eu não te esqueço nunca, a ti somente,

é que escrevo o soneto, a ti o dedico.

Minha única musa, eu verifico,

que és, na verdade, o amor onipresente.

Oh! se o tempo ao mundo revolvesse,

e nós voltássemos atrás na vida!

Prender-te-ia, amiga estremecida,

junto de mim, fizesse sol, chovesse...

E jamais te deixara, nunca e não,

que entregasses a outro o coração,

legando-me a saudade atormentada.

Por que dizer-te tanto, hoje, no ocaso,

se ignoras todo o amor em que me abraso,

doce Maria, minha amiga e amada...

28.07.79

IV

Os poetas, Maria, do meu grupo,

polemizam acerca de teu nome.

Se vales tanto, que de ti me ocupo,

se mereces o amor que me consome.

Uns acham que és do lar, outros - da rua.

- Ora, Maria, quanto mau juízo!

Há mesmo quem te veja toda nua,

em uma saturnal de mau aviso.

As mulheres entendem-te uma santa

que nasce em minha mente e aí se planta,

eleita é certo, mas indefinida.

Vão me gastar papel, fosfato e tinta,

os poetas, até que um deles sinta,

quem, na verdade, és em minha vida.

02.03.80

V

Agora, que voltasse ao meu abraço

num encontro de amor como os de outrora,

por Deus, Maria, não te vás embora,

quero dormir, de novo, em teu regaço.

Tantas juras de amor, como eu te faço,

tanta vida e esperança, tanta aurora,

tanta ilusão como te oferto agora,

nunca se viu - na choça nem no paço.

Se ficas, vinte anos eu remoço,

de novo cantaremos - tudo eu posso -

os nossos mesmos hinos do passado.

Já que vieste, fica, e hei de mostrar-te

que com a luz da fé e a luz da arte

- com amor, tudo sai de nosso agrado.

29.11.80

VI

Um desagravo rude, com Maria,

que me maltrata por perversidade:

- Eu quero vê-la - e como quero! - um dia,

aos meus pés implorando piedade.

Hei de buscar os mínimos ensejos

para o castigo que mais fira a ingrata.

Hei de impor-lhe o suplício dos meus beijos

e as carícias do amor que é vida e mata.

Ela, morta de amor, presa a meu peito,

se mumifique em mim eternamente,

e não saia daí por nenhum jeito.

Nosso casal, granitizado, caiba

no íntimo da pedra, e aí, semente,

nós possamos viver que ninguém saiba.

24.12.80

VII

Você pode encontrar muitos a dois,

muitos que gozem de seu corpo esguio,

muitos que a tomem, toda, fio a fio...

Todos se irão, sorrindo-se depois.

Como eu a amei e como a quero ainda,

sem a ter e a buscá-la a toda hora,

não lhe virá ninguém, o tempo em fora.

Você zombou de mim, foi inconstante,

fugiu de tudo que me diz respeito,

sem saber que eu a tenho no meu peito,

presa, arraigada, viva, palpitante.

Eu a quero, Maria, é bom que o diga,

antes que o ano passe, minha amiga,

como se quer ao sol e água, à vida.

31.12.80

VIII

Queria tanto ver você, Maria,

neste momento mesmo, tanto, tanto...

Saciar o meu amor, ter seu encanto

perto de mim, que bom isto seria!

Se pode, meu amor, venha correndo,

não espere por nada, nem um dia.

Venha gemer de amor, minha cutia,

nessa dação total que quero e entendo.

Há hoje, um sol que amanheceu ardente,

como quem vem anunciar à gente

uma vida de ouro e de esplendor.

Ou não talvez, talvez somente

advertir-nos a nós dois, urgente,

que a nossa vida é uma explosão de amor.

IX

Não reacendas a chama do passado,

nem de leve me digas que me amaste.

Um doce engano, terno, inigualado,

embalou-me em teus braços, e sonhaste.

Não te lembras talvez, mas que contraste,

entre o riso primeiro e o ar parado

de quando, ainda comigo, tu entregaste

teu quente corpo a outro, eu enganado...

Passou, esquece, agora o tempo adorme,

cicatrizada a dor. E eu me conforme

em saber que te amei, não fui amado.

Restos, é certo, de um desejo antigo,

se me sustentam sendo teu amigo,

ainda me tocam do calor sagrado.

X

Maria, adeus! Não venho maldizer,

num soneto de enterro, o amor passado.

Só, despedir-me do meu bem-querer,

transmitir-lhe o meu último recado:

- Vai! Sê feliz! O quanto me negaste

oferecer-te, venha de outra mão.

Suma no tempo, se dilua, gaste

minha esperança vã, sonho, ilusão.

Adeus! Não vou mentir-me ao sentimento

prometendo esquecer-te. Por desgraça

vejo esta página soltar-se ao vento.

Vai! Ama e goza, sê feliz no amor.

Sentir-me-ei pago do sofrer, na graça

de te saber feliz, por onde for.

XI

Porque te oferecestes na alvorada,

por um pouco ao poeta, no declínio,

criastes raízes, vives arraigada,

presa, segura, em meu raciocínio.

E agora irás comigo retratada

no escrito e no falado, no domínio

da arte que te fará imortalizada

em corpo dez e traço retilíneo.

No prêmio do meu verso, a eternidade

terás seguramente. E é a recompensa

que de melhor possui a humanidade.

Por um pouco, Maria, agora pensa

na minha fé, no meu amor, na lealdade...

Basta, meu Deus! Esta saudade é imensa!

XII

Este soneto triste em dó ré mi,

eu o escrevo com lágrimas nos olhos,

enquanto penso em me afastar de ti,

enquanto penso em ter-te ainda mais perto.

Soçobrado e ferido nos escolhos

do amor mentira desde de que te vi,

amo-te ainda, e quase morto, é certo,

no último suspiro penso em ti...

Doce ilusão de amor, quem dera, ainda,

na hora de morrer beijar-te os lábios,

fechar os olhos, não sentir mais nada...

Depois... Visto a alma é eterna, infinda,

vir a esperar-te na mansão dos sábios

e aí te amar eternamente, amada!