LEPIDÓPTEROS AZUIS I-VI & ALVA DOS JACARÉS I-VI

LEPIDÓPTEROS AZUIS I -- 19 mar 11 – para Márcia Tigani

O para sempre às vezes é mais curto

do que pode durar um por enquanto:

é lavado facilmente pelo pranto

ou se revela nada mais que um surto...

O para sempre às vezes é um furto

das condições transitórias do conquanto:

logo se embuça sob o grosso manto

ou silva a se esguichar em farto espurto.

O para sempre às vezes é apressado,

bem mais estreito que a trilha do jamais

e se reduz a insinceras juras...

Mas esse para sempre é um bem dourado,

enovelado nas chamas dos torchais,

em que os nuncas se retorcem em loucuras...

LEPIDÓPTEROS AZUIS II

Eu te percebo como dionisíaca,

teus versos escorrendo sem recato,

na doce mágoa do mais amargo fato,

em tal condensação plena e zodíaca.

Eu vejo o teu jorrar que vem da ilíaca

manifestação do sexo; do prato

em que pões o alimento do amor nato,

na embriaguez do verso quase etílica.

Quando o poema assume o teu controle

e tu nem sabes para aonde vai,

mas se retorce nos dedos qual serpente...

Ofídico esplendor, que a mente enrole

nessa poesia, que ardilosa sai

e tudo mais carrega pela frente.

LEPIDÓPTEROS AZUIS III

Eu te percebo como tsunâmica,

vital em majestosa inundação:

não são Apolo e as musas que aqui estão,

mas Anfitrite que demonstra sua dinâmica.

Eu te percebo em tal criação mânica,

os versos escorrendo de emoção,

sem a branda interferência da razão,

porém sob a influência dessa pânica

avalanche sutil, versos de lava,

de nuvem piroplástica irresistível,

versos de sol a descair no mar...

E te percebo como a musa brava,

que tange na minhalma, inexaurível,

essa suspeita de nunca te encontrar.

LEPIDÓPTEROS AZUIS IV

O para sempre tem sabor de por enquanto

nessas questões de amor, porque não dura:

só sobrevive qual lembrança pura,

quando for desarraigado pelo pranto...

Felizes para sempre, doce espanto,

conduz rapidamente até a fartura,

enquanto a convivência canelura

vai rasgando das colunas no recanto.

O que persiste certamente é a amizade,

forjada por carinho e compreensão,

ao longo desses anos em que estão

a esforçar-se por mentir amor,

mas que o demonstram, com tenacidade,

até quebrar o próprio coração.

LEPIDÓPTEROS AZUIS V

O para-sempre tem sabor de vinho,

que se bebe, lentamente, até esgotar.

O para-sempre sempre foi mesquinho,

seu fundo mostra e vê-se terminar.

O para-sempre só pode definhar,

como resseca, afinal, até o azevinho.

O para-sempre se torna um disputar,

manso e suave, pelo amor vizinho.

O para-sempre constrói o seu jazigo

com o mármore do sêmen coagulado.

O para-sempre jaz em seu abrigo,

no teu ventre, depois de fecundado.

Ah, para-sempre, do amor tão inimigo,

servindo à raça no teu ideal sagrado...

LEPIDÓPTEROS AZUIS VI

Eu te percebo para sempre vasta,

em teu vasto perfume arrasador.

Eu te percebo a destilar amor,

destilada a esperança e inteira gasta.

Eu te percebo em visão de desamor,

uma mistura de mágoa que a si empasta,

intensidade que depressa se desgasta,

pela falta de controle do calor.

Mas eu percebo em ti, nessa entropia,

puro rescaldo que leva à distropia,

em cada verso concentrado de saudade.

E vejo em ti a própria humanidade,

que em si concentra laivos de magia,

em seu furtar do Sol a claridade...

Alva dos Jacarés I

Um dia, eu recebi diapositivos

de uma praia que chamaram Jacaré.

Bucólica e pacífica ainda é

essa visão de marulhares vivos.

Há duas silhuetas neles, velhos crivos

de humanos seres em recorte até,

contra esse sol nascente já de pé,

seus nebulosos raios semiativos...

Pois lá não pode ser o pôr-do-sol,

que no Brasil se esconde nas montanhas

e só se põe no mar do coração.

É muito belo viver sob o arrebol,

nessas bênçãos fantásticas, tamanhas

quanto a promessa da eterna criação.

Alva dos Jacarés II

É realmente efeito da poesia,

porque este sol, a uma primeira vista,

já parece cansado da conquista

e como a descansar se percebia,

tal qual se mergulhasse em maresia,

porém não é assim. A loura crista

emerge dessas águas, hedonista,

a converter a praia em harmonia.

E essa silhueta que mal se descerra

sugere até tocar um saxofone,

em saudação ao deus que se desvela,

a colorir de ouro toda a terra,

nessa trombeta que, sem soprar, ressone

em cada alma em que a alba se revela.

Alva dos Jacarés III

O sol escorre sobre a água, manso,

timidamente, um triângulo a ampliar.

As nuvens se defendem do avatar,

que renasce a cada dia, sem descanso.

No horizonte há uma ilha e nela lanço,

em pleno atrevimento, o meu olhar.

O Sol não pode ainda requeimar

as meninas de meus olhos e não canso

de apreciar a panóplia desse parto,

quando Anfitrite, que Netuno engravidou,

permitiu que essa luz desvencilhasse

da placenta das águas. Vivo e farto

está o Sol do sal que o alimentou,

para que a Terra toda acalentasse.

Alva dos Jacarés IV

E à beira desse cais que se projeta,

há um vulto de mulher, silhueta escura,

saudando a morte da madrugada pura,

expulsa pela força desse atleta.

Loura figura, em missão nada secreta,

o Sol ergue a coluna em canelura,

mas não se apóia nela, apenas fura

a atmosfera, na luz que assim excreta.

E a negra imagem toca um violino,

na flébil mescla do aceno e da elegia,

que à noite ela pertence, em seu negror.

Mas quando o Sol ascender a seu destino,

será somente dele a melodia,

enchendo essa mulher de luz e cor...

Alva dos Jacarés V

Enquanto o braço se arqueia, suavemente,

na saudação tão só crepuscular,

do dilúculo, em que o Sol vem a rasgar

os véus da noite, estremunhada e quente,

a melodia brota, em som dolente:

longos cabelos dessa dama a ondular...

Serão negros, talvez, como o trajar

seminoturno, que a envolve rente...?

E o som que assim respinga sobre a praia,

nessas gotas de luz de cada nota,

mui brevemente, no céu, se calará.

Enquanto a luz do Sol, cálida saia,

nessas gotas de som que a aurora dota,

em estrondoso fragor se espalhará...

Alva dos Jacarés VI

E é sempre assim... Passado o tempo, o Sol

irá cobrir a Terra inteira de amarelo:

gotas de pranto em seu tanger singelo,

trocando o violino por farol...

Pois no corisco sutil desse arrebol,

cumprida a sinfonia do desvelo,

emergirá das águas brando selo,

a refletir cada onda, em girassol...

Eu só indago é se cada jacaré,

que deu o nome à praia tão bonita,

ergue a cabeça para a melodia...

Ou se prefere, muito mais até,

esse calor que o sangue frio incita

dos mil raios de Sol em harmonia...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 01/04/2011
Código do texto: T2882672
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