SONETO À CIDADE DO NADA

Eu me formara em Direito havia uns dez anos. Necessitava muito – como ainda necessito, mas bem menos- de atender a qualquer caso que fosse, em qualquer cidade que existisse. Não podia, ainda, dar-me ao luxo de priorizar demandas e muito menos me especializar. Era um Clínico Geral do Direito, se podemos fazer tal comparação. Chegou, contou sua história, tem direito, lá ia eu estrada a fora, quando fosse o caso.

Era verão. Um calor que beirava os 35 graus quando cheguei à cidade, por volta das 13,00 horas. Olhei no relógio e vi que havia dirigido, sem parar, por 5 horas sentando num Passat-TS ano 93 que eu havia comprado já bem rodado, mas que era, ainda, uma beleza de carro. Bem, pelo menos eu acreditava nisso. O lugar era pequeno mas era uma cidade de verdade, porque a, tinha juiz, delegado, vereadores, prefeito. Não os vi, mas deveria ter.

Como seria obrigado a passar a noite ali, uma vez que, definitivamente, não queria fazer o retorno de madrugada, busquei imediatamente um Hotel onde eu pudesse tomar um banho, colocar meu único terno preto – que era bacana às pampas- almoçar e buscar o Fórum.

Foi quando começou o pequeno drama. Não havia hotel na cidade. Quer dizer, haver havia, mas era uma pensão que abrigava viajantes. O almoço já tinha ido pro espaço porque só serviam até o meio dia. Mas, pelo menos, tinha um quarto para ficar. Fui tomar banho. Não tinha água. Reclamei. O cara me disse que ela voltaria a cair depois da 16,00 hs., e pediu desculpas. –Tudo bem, disse prá ele, mas no fundo pensei: - Pô, brincadeira!

Mas não havia jeito. Tive que colocar o terno bacana no corpo um pouco suado.

Cheguei ao Fórum e meu cliente já foi logo me dizendo: “ -É doutor, acho que não vai ter audiência” .

Chateado me dirigi ao Cartório Cível ( era cível , criminal , de família, etc. ..) Bom, era o único.

A mocinha que devia ser a escrivã, a escrevente, a atendente e sei lá mais o que me atendeu:

- Pois não, Dr.

- É que tem uma audiência marcada pra hoje as 15,30 e eu queria ver se está confirmada.

“- Foi adiada”, respondeu. “- O Juiz só vem aqui uma vez por semana. E hoje, era dia dele vir, mas não pode, porque foi responder por outra Comarca.

-Poxa, mas eu vim de longe para esta audiência. Não podiam ter me avisado, por telefone?, respondi apenas para me lamentar.

A mocinha disse que não tinham autorização para fazer interurbanos. Só ordem pessoal e escrita do Meritíssimo.

Para simplificar, depois de conversar algum tempo com o cliente, ponderei que não ia dar para eu advogar para ele, porque outra viagem daquelas ia ficar muito caro para ele. Como ele não tinha como pagar o que eu queria, aproveitei a boa vontade da menina do cartório e, ali mesmo, bati uma declaração para o cliente assinar me informando que me tirava do feito. Ele assinou e dei entrada. Não cobrei nada e nem podia. Nada havia feito. A gasolina ele já tinha pagado adiantado.

Assim me livrei do processo e da obrigação de voltar ali e novamente dar com os burros n!água.

Já eram cerca de 17,30 mais ou menos. Voltei para a pensão, o tal Hotel. A água não havia chegado, ainda. Troquei de roupa e sai para comer alguma coisa. Tinha um bar. Comi o que de melhor achei ali. Café com leite e biscoitos Maria. Pão? “– Só de manhã”, disse o dono. Bom, pelo menos tava de barriga cheia.

Escureceu. Nada de água. A luz pifou. Reclamei com o “ gerente”. Ele disse que era assim mesmo, que logo voltava. Pediu mais desculpas. Tive direito a uma baita vela para que eu não ficasse no escuro. Vela mesmo! Destas grandes, parecidas com estas que, de vez em quando, a gente vê por ai, nas esquinas...

Devia ser mais ou menos 1,00 da manhã. Um calor abafado, sem luz, e pior, comecei a me coçar. Pernilongo? Nada disso. Piolho! Foi então que numa inspiração raivosa, sentei na mesinha peguei minha caneta, uma folha de papel, escrevi este soneto em duas vias e me mandei. Nem o cara, o tal “gerente”, estava lá na recepção para receber a diária. Pedi desculpas a ele em pensamento e sai madrugada a dentro de volta para a civilização e deixei este soneto pregado na mesa com a cera quente da vela.

Não és cidade não terra do nada,

Nem as honras de Vila dar-te-ei.

A sorte de sair de sua estada,

É presente de Deus, terra sem lei!

Povoado em que jamais postularei,

Nem mesmo pra ganhar uma bolada,

Pois dinheiro não é tudo, (que eu sei);

Muito mais vale a vida sossegada!

Por isto neste quarto fedorento,

Sem água, à luz de vela macumbada,

Escrevo este recado de momento:

Escuta, terra do nada e sem pão,

Sem restaurante e “barzim” sem privada:

Voltar um dia? Nem n!outra encarnação!

Nelson de Medeiros
Enviado por Nelson de Medeiros em 21/04/2011
Reeditado em 05/07/2012
Código do texto: T2922886
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.