PSICOFAGIA & MAIS

PSICOFAGIA I (2004)

Pensei um dia conquistar tua alma...

Sem mais pensar, logo entreguei a minha,

Azul e floralmente, em comezinha,

Bancária transação, tranquila e calma,

Que pela tua seria substituída,

Alma por alma, miséria por riqueza,

Tristeza por confiança, vagrança por certeza,

Beleza a replantar na alma dorida.

Mas como essa tua alma é facetada!

Nunca me deste sequer um fragmento,

Por todo o meu esforço, por tudo que sonhei,

Mesmo que se tivesse mostrado devastada,

Tua alma foi egoísta, tragou-me de alimento,

Sem nada retribuir por tudo que lhe dei.

internet.com

O progresso deveria, com freqüência,

facilitar minha vida e resolver

os meus problemas e não me conceder

um sentimento vago de impotência,

quanto me causa e dá aborrecimento

o que útil deve ser, quando trabalho,

quanta espera impaciente, em que me espalho

na ilusão incolor do embaçamento.

É, em vez de me agradar, serva teimosa,

não me deixa tranquilo um só instante,

passa empacando e atenção reclama

máquina esta, que enfim, é pretensiosa:

que insiste em se mostrar tão importante,

mas não passa de garota de programa.

RAZÕES

Apenas um gênio tais versos teria

De ardor e despeito e fragrância de encanto,

Com tanta freqüência e brutal agonia,

Composto casual em total desencanto...

Apenas um gênio, tais versos de geada,

Cabelos grisalhos, visões de harmonia,

Suspiros de carne, desgostos de fada,

Retalhos de trevas cantar saberia...

Apenas um gênio, ou antes, quem sabe?

Algum que já sofre tão mais que os demais,

Que o próprio sofrer não se abranda jamais...

E apenas nos versos sua pena se acabe,

Apenas nos versos de ardor e de encanto

Que escreve quem ama e recama de pranto...

MAGMA

Revesti-me de amores, lentamente,

Em melopeia rubra de guirlandas,

Grinaldas puras de emoções mais brandas,

Quando o desejo explode mais frequente...

Sendo assim meus amores mais quimeras,

Aprendi a conter-me em meus orgasmos,

Para servir mansamente seus espasmos

Num perdurar de lavas em crateras...

Que se acumulam rubras, trovejantes,

Respiram cinzas, gases sulfurantes

Em piroplástica e férvida explosão...

Sopitando os anseios, sufocados,

Até não mais contê-los, extasiados,

Para explodirem em cálida emoção!...

ESCARAMUÇA

Pois quantas vezes a mente me perpassa

Um movimento de fugaz ternura,

Um regravar sutil de canelura,

Que nas colunas tuas se entrelaça...

Passamos pelos outros sem vestígio,

Toque de leve, sopro que deflora [as]

Ninfas da mente, quase nunca aflora

De nosso orgulho o singular prestígio...

Pois quantas vezes o assomo de vaidade

Capitaneia audaz nosso batel

E nos restaura a própria virgindade

De nossa vida toda; o capitel

É um egoísmo voraz, sem saciedade,

Que nunca pede e nem dará quartel!...

ENQUANTO

Por um breve momento, me terás;

Carpe Diem! -- que não será pra sempre;

Disposto para ti me encontrarás,

presente e voluntário me acharás,

mas isso não significa que te queira,

Porque, em nossa relação de fato quem pre-

cisa és tu, até que a derradeira

gota de sonho se esvaia, verdadeira,

para uma realidade avassalante.

Carpe Diem! -- agora estou por perto,

porém de ti, meu coração deserto

já se tornou; findou-se a delirante

ânsia de ti; e nisso sou sincero,

que já te quis, bem mais que agora quero.

Just in case you don’t remember your Latin, Carpe Diem! is an old Roman saw, meaning, "Enjoy the Day while it Lasts!". Love, Bill.

FAXINA

Um dia meu corpo divórcio pedirá

de minhalma, por motivos de adultério.

Caso isto ocorra, peço ao cemitério

não seja conduzido, pois será

em ração de baratas transformado.

Não, meus amigos, enterrem-me no chão,

que seja a terra a comer meu coração;

melhor ainda, que torne a ser cremado,

como foram meus restos no passado,

quando um Heleno eu fui ou fui Romano,

quando Celta encarnei, quando Germano

eu faleci, nos bosques encerrado.

Eu só quero um sepulcro Indo-europeu

para este invólucro que já me pertenceu.

MARY JANE

for that's what i am now -- a junkhead

for verse --- soon as a poem has ended

another has started, all my feelings blended

into fiery words of encompassing spread.

for that's what i'm now -- i endorphin

while poems roll out, ceaselessly bleeding.

this vice of mine, to my squirting leading,

is like a poison, a venom, a toxin.

and yet... i had this vicarious love

curbed before, taken up full control,

instead of it controlling me up to accrue

day after day its unstoppable move.

and still i wish the flow to forestall,

for me a junkie end up, but just for You.

Don’t look it up in the dictionary... mary jane is slang for 'marijuana' and poems are my grass. bill.

AGUAZIS

dos mortos é costume não falar

senão o bem, por medo ou por respeito;

conquistaram pela morte tal direito

e os vivos se abstém de mencionar

os seus defeitos, seus traços mais humanos,

tornam-se santos até os criminosos,

foram gentis, amantes, atenciosos,

seus atos mais cruéis foram enganos.

e a memória dos crimes morre à míngua,

somente com virtudes nos exemplam,

quem sobrevive perdão lhes dá profundo.

porque os mortos, afinal, não têm mais língua:

apenas olhos grandes nos contemplam,

a rebrilhar de suas órbitas sem fundo.

MALÍCIA (2008)

Os outros morrem ao redor. E eu fico,

apenas por enquanto. Vou cumprir

minha pena, sem querer me suicidar.

Uns dizem que faria adicionar

à minha pena uma nova encarnação,

tão negra quanto os versos desta pena.

Tomo a cânula da pena e assim estico,

ao menos por enquanto, o consentir

às penas de minha pena o seu ruflar.

O dia inesperado vou esperar,

penalizando assim cada ilusão,

tão branca quanto o palco desta cena.

Mas não vejo mais razão para um poema

escrever com maior exultação,

na empena plena de um gozo material.

Penas em penca despenam de minha pena,

descritas com inteira apenação,

que o verso escrevo com prazer sensual.

Fosse então uma pena consensual,

que me fizesse a vida reluzir,

diferente do modo que hoje fica!...

Em que somente a depressão me bica,

na bruma irresoluta desses dias

iguais aos outros em seu igual castigo.

Na penosa penumbra que se aplica

sem qualquer pena de minhas penas frias

pingando a pena na pena do perigo.

Porém se é negra a pena que condena,

não tenho pena de abrir a pena:

deixar que jorrem os poemas apenados.

Asas abertas, escrita em cada pena,

eu vejo a pena de viver sem pena:

deixo que voem de suas penas despencados.

ISLÂNDIA (6/3/11)

Vista do céu, é uma jóia de cristal,

um ornamento de insólita harmonia,

tanta beleza nessa terra fria,

aquecida pelos geysers, afinal.

O fogo dos vulcões é seu fanal,

recortada por fjords à porfia,

até parece moldada por magia,

desses contos de fadas natural.

Se não fosse o oceano que a requenta,

possivelmente seria inabitada,

exceto em seus locais mais perigosos.

E no entanto, o turismo ainda frequenta

essas geleiras de brancura alada,

pelo conforto das cidades abrandadas.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 03/06/2011
Código do texto: T3011412
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