CANÇÕES DE ÁGUA & MAIS

CANÇÕES DE ÁGUA & MAIS

William Lagos

CANÇÕES DE ÁGUA I (01 jan 13)

Eu vejo um ano de Sextas-Feiras Trezes,

A borbulhar ao longo desses meses...

Eu vejo um ano a protestar aflito

Contra essa mácula do número maldito.

Eu vejo um ano em que será impossível

Três vezes treze em formação incrível.

Vejo em Setembro e Dezembro o duplo treze:

Que em cada sexta-feira então se reze!...

Eu vejo um ano para uns cheio de azar

(Queriam o mundo por isso terminar!),

Mas como o ano já iniciou sua frágua,

Temem lhes seja receptáculo de mágoa!

Enquanto há outros que apregoam novidade

E um bom progresso para a humanidade...

CANÇÕES DA ÁGUA II

O certo é que já estamos em Aquário,

Peixes deixados para o céu contrário;

É bem verdade que esta nova era

Já vem há quarenta anos na sua espera...

Desse modo, ajustaram o calendário

Pelo Quatro de Ahau atrabiliário.

E embora para mim só cheguem chuvas,

Delas espero bênçãos como luvas.

Pois que venham para mim bênçãos em levas:

Número Treze, vê se não mas negas!...

Que seja o Treze um fluxo de sorte

Não enxurrada de mais negro corte...

E que me traga, enfim, certa bonança,

Num talo verde, apenas, de esperança...

CANÇÕES DE ÁGUA III

E que se afaste de mim qualquer estio,

Contrariado por mais outra onda de frio,

Como eu ouvia dizer, quando criança,

Que, aos poucos, nomes entram em mudança.

Hoje são frentes frias mencionadas,

Vindas da Antártida, em brancas revoadas.

Mas o efeito é o mesmo; e ao encontrarem

As massas quentes com que se digladiarem,

Provocam chuvas de grande intensidade

E até mesmo ventania e tempestade.

Eu quero as chuvas, porém sem o calor

Que as procede, para dar louvor.

Nessa esperança de conservar eletricidade,

Sem que me cortem as luzes, por maldade!

CANÇÕES DA ÁGUA IV

Eu quero a água que não traga enchente

E não nos gere um tsunami indiferente.

Eu quero a água que não inche os rios,

Extravasando as margens, em seus brios.

Eu quero a água que não traga inundação

Para cobrir as cidades que aí estão.

Eu quero a água de melhor distribuição,

Que não fique o Nordeste sem monção,

Enquanto o centro do país é arrasado,

Por governo imprevidente dominado.

Não quero ver as alagadas capitais,

Sob o efeito desses jorros naturais.

Mas que algo façam além das mil promessas

Que em tempo de eleições são tão espessas.

CANÇÕES DA ÁGUA V

Quero que sejam os recursos naturais

Devidamente controlados em canais.

Quero que sejam as represas e barragens

Construídas para o povo, com vantagens.

E que os impostos sejam dirigidos

Para o combate dos mosquitos incontidos.

Ou o governo fez com a dengue uma aliança,

Para que votem em mandato sem mudança?

Têm os Aedes títulos eleitorais?

São os Anófeles abrangidos nos anais

Desse IBAMA tão mal interpretado?

Têm esses dípteros seu direito assegurado

A ser mantidos sob a sua proteção,

Caso contrário, entrarão em extinção?

CANÇÕES DE ÁGUA VI

Só resta ainda louvar as nossas praias,

Onde passeiam sem camisas ou sem saias,

Justamente quando o Sol queima mais forte,

Em temerário desafio à triste sorte

Desses cânceres de mama, por vaidade?

Como é estranha esta nossa sociedade,

Em que os negros são chamados de inferiores,

Enquanto os brancos se “bronzeiam” nos calores,

Até ficarem mais escuros que africanos?...

Pois chegam levas de clandestinos angolanos,

Enquanto as ondas enfrentam os surfistas,

A vida inteira a arriscar em tais conquistas...

E enfim concluo o protesto da canção,

Lavando em água meus versos sem razão...

CONSORTES I (2 JAN 13)

dizem que amor é loteria e, nessa sorte,

sucesso alcança quem no jogo não acerta...

a megassena para todos é aberta,

mas só de uns poucos se faz fiel consorte...

chego a esperar que meu volante aborte,

para que a sorte nos amores seja certa!

cada lotérica ficaria deserta,

caso o povo preferisse amor sem corte...

porém preferem cortar as economias,

julgam que amor com dinheiro se comporte

e que a riqueza sua falta bem conforte...

e as longas filas sem formam como guias,

no mal da sorte em aleatório aporte,

no mal da morte em seu constante corte.

CONSORTES II

jogar na mega é o nosso novo esporte,

que atrela multidões, em roda-viva!

novo imposto disfarçado aqui se ativa,

tostões roubando desde o sul ao norte...

pois esperança não morre e é sempre forte,

cada infeliz gastando a sua saliva

cortejando fortuna, a deusa esquiva,

tal qual se prece o seu capricho entorte...

e então fica a multidão dos despeitados

invejando os escolhidos do sorteio...

(talvez no próximo a sorte se avizinha...)

e é até melhor não estar entre os sorteados,

sob a carga do despeito; e, de permeio,

prefiro mesmo é tentar a raspadinha...

CONSORTES III

falando francamente, até descreio

que alguém receba esse prêmio milionário;

para mim, é um picadeiro atrabiliário,

em que os palhaços, ao invés de estar no meio,

sentam nas arquibancadas, sem receio,

pagando entrada para o circo cada otário,

que algum artista é pago, no contrário,

para fingir ter descoberto o veio...

a megassena da virada é uma miragem

para afastar da miséria a percepção,

enquanto os que governam é que ganham.

e o povo aceita, tal qual grande vantagem,

os vales disto ou daquilo, em profusão

dos miseráveis reais que assim apanham.

CONSORTES IV

contudo eu sei que o maior aporte

ganha o governo, sem dúvida qualquer.

e enquanto não encherem minha colher,

não acredito que haja outro recorte.

mas vejo a esperança, sem aborte,

nos olhos dos que fazem seu mister

de pelas ruas os volantes revender

e desse modo, me torno seu consorte.

pago-lhes o dobro ou o triplo do que valem,

numa espécie de esmola disfarçada,

que um deles chama até mercadoria...

sabendo bem que, apesar do que me falem,

a sua sorte não representa nada,

pois se a tivesse, ele mesmo ganharia!

ESTÚRDIA I (3 JAN 13)

Será uma estúrdia tal título escolher,

numa real demonstração de extravagância?

Ou só revela minha mente sua ganância

por novos títulos, sem mais espairecer?

Ora, estúrdia uma estroinice pode ser,

o desperdício dos bens, em dissipância.

Ou é apenas travessura de uma infância,

ou ainda é uma tolice a cometer...

Em que sentido, pois, quero minha estúrdia?

Dissipador não sou, embora adquira

desnecessários bens, só por prazer...

Vivo na escuta constante da balbúrdia

De minhas mil gravações: um disco gira

Do por-do-sol até o amanhecer...

ESTÚRDIA II

Porém não me dissipo em estroinice:

não vou a bares ou bailes ou boates;

meus gastos eu conservo em açafates

e comprar livros não me parece ser tolice;

ainda mais que me recuso a essa estultice

de adquirir livros caros aos engates;

busco pechinchas para meus abates,

que outros recusam, arrogantes em burrice.

Não me desgasto em caros restaurantes,

nem bebo os vinhos mais raros que aprecio:

o que se come ou bebe já se perde...

Já livros, selos e discos são constantes

companheiros na velhice de meu brio

e após minha morte, sempre haverá quem herde.

ESTÚRDIA III

Quando criança, brincava com soldados

e os distribuía em grandes regimentos;

às minhas ordens estavam sempre atentos,

nas minhas batalhas alguns sacrificados.

Eram meus jogos de mesa acompanhados

por eventuais companheiros de momentos;

raros foram no exterior divertimentos:

nunca foram tais esportes apreciados.

Contudo, tal estúrdia não conservo;

dei os soldados todos a meus filhos

e os jogos de mesa os acompanharam,

pois nem sequer xadrez eu me reservo,

um incêndio me lançou em novos trilhos

e tão somente alguns selos me restaram.

ESTÚRDIA IV

Se não sou gastador ou extravagante,

qual o tipo de estúrdia que me resta?

Auxiliar aos demais é pobre festa,

porém a única que se me faz constante.

Generoso na brevidade de um instante,

sem esperar retribuição ou gesta.

“Dá a quem te pede e de igual modo empresta

a quem precisa” é um preceito figurante

nas Santas Escrituras, que tenho obedecido

e distribuo conselhos a quem os peça.

(Mando meus versos mesmo a quem não quer...)

E é nessa estúrdia que sou fortalecido...

Sem esperar que alguém meus atos meça

Ou que lhes dê sua aprovação sequer.

ESTRELAS CADENTES I (4 JAN 13)

No dia em que as estrelas criarem asas

e descerem a meus braços, sem queimar,

quais pequenos vagalumes a adejar,

como asas de libélulas as suas brasas;

no dia em que descerem sobre as casas,

pousando nos telhados, a chamar

por companheiros para as abraçar

e deixarem nos céus negruras rasas,

me pedirás, talvez, uma braçada,

para enfeitar teu leito e teu toucado,

tendo certeza de que a buscarei...

Mas com olhos de assombro, a revoada

apenas fitarei, maravilhado,

e nem sequer uma só delas te darei...

ESTRELAS CADENTES II

No dia em que as estrelas me abraçarem

e quiserem amor fazer comigo,

eu saltarei para o celeste abrigo,

sem qualquer pejo de me incinerarem;

e se os cometas, nesse instante, te alcançarem,

eu nem me importarei com tal perigo,

caso um cometa deseje estar contigo

e ambos os dois orbitalmente se abrasarem...

Eu quero o amor de estrelas dançarinas

a pairar silfidamente sobre mim:

sejam seus raios da cor de meus abraços.

E mesmo calcinado nessas sinas,

eu bailarei em igual amor, assim,

até o cremar derradeiro de meus traços.

ESTRELAS CADENTES III

Não sei se escutarei de estrelas vozes,

como quis o grão poeta do passado;

mas nessa radiação quero, abraçado,

morrer de amor em incontáveis doses;

e da galáxia descer até as fozes

de seu buraco negro acidulado;

quero perder-me em sonhar desavisado,

mesmo que, nunca mais, tu me desposes.

Quero as estrelas, em esmeraldinas brasas,

raios de luz de ônix esplendor,

nas implosões cristalinas desse anil;

e sobre o som inaudível dessas asas,

desfar-me-ei, em iridiada cor,

esfacelado em mais estrelas mil!...

CARAVELAS I (12 jul 06)

Não esperes que eu rime "ama" com cama,

qual fazem hoje em dia os "trovadores";

minha rima é retorcida em estertores,

quer seduzir a bela musa que a reclama...

e assim, fala de vento, de olor, de opacidade,

de fígado e meniscos, almíscar e azevinho;

não se deixando assim levar pelo mesquinho,

simples rimar de “idade” com “saudade”...

Pois o rigor enfrenta desse grande desafio

de tomar-te nos braços, apenas nessa hora

em que tua alma toda, perfeita e sem demora,

se entregue ao meu calor em luz feita de brio,

na esperança sutil de nunca mais embora

perder-se deste amor, qual se perdeu outrora!

CARAVELAS II (5 JAN 13)

Vamos rimar tal “ama” com proclama

e ao invés de cama, o leito com o preito;

que rime o peito não somente com despeito,

mas prime do calor de chama e escama;

Vamos rimar então fama com dama,

sem para jeito só encontrar o ajeito;

que seja o escorrer mais escorreito

e não se atole a gama em pura lama...

Que o verso verse como a caravela,

sem ser forçado à rima com procela;

que enfeite o oceano a poderosa nau,

sem precisar defrontar um vento mau;

e finalmente, que não se enleie o amor

numa rima simplesmente de calor...

CARAVELAS III

Pois “Caravela” já foi marca de azeite;

já bebi o vinho de Santa Comba Dão;

queijo de cabra, alimento do beirão,

mais oliveiras para o seu deleite;

e que rimar com leite eu não aceite

e nem escorra pelo chão minha emoção;

aberto o coração, corre a paixão:

que não me espreite a morte onde me deite!

Que meu presente em paz dourada assente;

que seja a rima doce e feminina,

com seu sorrir acalentando o meu dormir;

e que seja o meu futuro mais seguro

de que foi o meu amanho desse antanho

e que ainda possa rir no meu porvir.

CARAVELAS IV

Que, na verdade, eu conserve a veleidade

de discorrer em mil versos com prazer,

de descrever em cantos meu sofrer,

sem que a vontade me finja impunidade.

Que a acuidade me dê expressividade,

que me ensine o desprazer como escolher,

que o entender me faça compreender

e que a bondade não se torne em fatuidade.

Que o chafariz dos poemas que já fiz

talvez provoque bem mais que um simples toque

da feia inveja e do rancor o ensejo.

Que seja a musa a nutriz que sempre quis

e me retoque sempre mais o enfoque,

nesse desejo opalino de seu beijo.

CARAVELAS V

E se achares desparelhas as centelhas

que teu poeta e auriga aqui abriga,

que não me mostres a figa que persiga

essas corbelhas que no verso engelhas.

As rimas velhas aqui também espelhas

de uma cantiga de modinha antiga;

não seja a espiga uma rima para urtiga,

macias relhas os fios das sobrancelhas.

Mas se desfaça a tristeza que te abraça

e que teus olhos se desfaçam dos antolhos,

mas teus ouvidos sejam invadidos

pela mais bela graça que se faça

juntar de abrolhos para novos molhos

de poemas lidos e com prazer retidos...

CARAVELAS VI

Eu vou rimar ama com chama e então com flama,

beijar-te o peito no leito de deleite,

no azeite que me deita o teu aceite,

sob a grama que o proclama e que reclama.

Vou rimar ama com a fama que derrama

o jeito desse preito que me espreite

do estreito escorreito que me aleite,

enquanto a dama exclama em vasta gama.

Que seja o amor envigorado em seu rigor,

quando a paixão surge em vulcão de sudação,

a alma alçada nessa palma que me acalma;

e que o estridor da dor possa compor

essa canção na emoção da exaltação,

que a nós empalma e em calma nos embalma.