SONHOS ERÓTICOS

SONHOS ERÓTICOS

William Lagos, 5 mai 10)

SONHOS ERÓTICOS I

Sonhei primeiro com a arqueologia,

não com os reis, vestindo roupas finas,

mas com os fragmentos, velhas tinas,

hoje buscadas com mais harmonia.

Sonhei a escavação, que ao mundo guia

desse passado das antigas sinas,

pouco me importa o ouro dessas minas,

mas sim saber como o povo então vivia.

Todos esses meus longínquos ancestrais,

de quem nem poeira dos ossos hoje resta,

mas dos quais ainda sou germe e semente,

passados séculos dos séculos finais,

como talvez me lembre alguma festa,

caso meu nome se grave em bronze ardente.

SONHOS ERÓTICOS II

Depois sonhei foi com a astronomia,

queria ver de perto essas estrelas,

não por amor, tampouco por temê-las,

mas para ver o quanto as constituía.

Sem telescópios e em minha miopia,

ficava bem difícil compreendê-las.

Naquele tempo, para as estrelas belas,

observatórios quase não havia,

pelo menos em minha parte do país,

em que ainda, de fato, escassos são.

E desse modo, nunca satisfiz

esse desejo de meu coração,

por mais que muito em meu íntimo quis

contemplar essa celeste multidão.

SONHOS ERÓTICOS III

Paixão eu tive pela filatelia:

desde menino, foram meus desvelos

pelo amontoar da coleção de selos

a que minha solidão me conduzia,

que o mundo inteiro assim visitaria

nesse prazer que tinha de entendê-los...

Que simples fossem, os achava belos,

pois cada um minha coleção aumentaria.

Este sonho não perdi, pois até hoje,

tenho catálogos e selos classifico,

com extremo cuidado e aplicação;

tão numerosos são, que até me foge

esse total que sempre multiplico,

no fiel desejo de meu coração...

SONHOS ERÓTICOS IV

Tive paixão pelo militarismo:

não que, de fato, quisesse ser soldado;

antes queria é dirigir o fado

de minhas tropas, com autoritarismo;

Fui general de batalhões e cismo,

quando me vejo em devaneios enrolado,

que ainda me acho no tempo consagrado

aos soldados de chumbo, em erotismo.

Travei com eles milhares de batalhas;

e havia outros de plástico ou de pano,

porém eram de papel, na maioria,

que eu mesmo recortava, já sem falhas,

a experiência reunida, ano após ano,

cem regimentos convocando em fantasia.

SONHOS ERÓTICOS V

Minha outra paixão foi a leitura,

que em nada interferia com o estudo;

do que encontrava, eu lia quase tudo,

sem restringir-me à qualidade pura.

Era o cheiro dos livros, a textura,

o peso dos volumes, seu veludo;

as células perdidas, quando grudo

uma parte de mim, que neles dura.

Todavia, por estranho sortilégio,

dez mil livros perdi, numa ocasião,

consumidos pelas chamas de um incêndio.

Nunca houve para mim um sacrilégio

maior que este, pois meu estipêndio

jamais pode refazer tal coleção...

SONHOS ERÓTICOS VI

Outra paixão eu tive pela história,

a qual conservo até os dias de hoje;

o número de livros já me foge,

que consultei, em leitura merencória

das vidas de outrem, restaurada em glória;

dos impérios soterrados, que despoje

o tempo... E que permita, então, se aloje

um rebanho de ovelhas sobre a escória.

Mas para mim, tornavam-se bem vivos;

não tanto os reis do orgulho e suas batalhas,

porém a forma qual vivia o povo...

Suas pobres roupas e utensílios redivivos

de mais valor assim que essas mortalhas

em que a nobreza aguardou por mundo novo.

SONHOS ERÓTICOS VII

Foi a história que me levou à leitura

desses romances no antanho aclimatados,

por mais que fossem, afinal, glorificados

os detentores da nobreza pura;

porque buscar no lazer literatura

nos transcende dos presentes desgastados;

por que quereríamos relembrados

os que passaram por igual agrura?

E depois, era criança e adolescente

e ainda via nos combates glórias;

modernas lutas assistia no cinema;

mas aos poucos perspectiva diferente

adquiri para as vidas aleatórias

dessa gente que não teve um diadema.

SONHOS ERÓTICOS VIII

Uma coisa leva a outra, nesse esquema:

juntaram-se história e arqueologia

a exploradores de ambiciosa fantasia

revelados pelos livros e o cinema...

Alguns empós qualquer estranha gema,

outros em funda, cristalina espeleologia;

ou alpinistas, talvez, que o mundo via,

bem lá no alto, proclamando um novo lema.

Ou aqueles que levaram a cultura

aos povos mais perdidos desta Terra

e com ela, as ambições e suas doenças...

Mas nesse tempo, faceta havia mais pura,

que havia honra mesclada em cada guerra,

no tabuleiro de xadrez das crenças...

SONHOS ERÓTICOS IX

Depois me apaixonei pela ficção

especulativa, que outros chamam

de “científica” e a fantasia reclamam,

qual pertencente à mesma redação.

Há meio século a desprezava a multidão:

era “tolice” apenas, é o que falavam

das “óperas espaciais”, que me acenavam,

difíceis de encontrar nesta nação.

Pois só depois que aprendi o inglês

é que pude usufruir deste tesouro,

que a gente usa e goza e não se gasta;

depois vi suas profecias, mês a mês,

realizadas em silêncio ou em estouro,

enquanto o alvo dia a dia se afasta.

SONHOS ERÓTICOS X

Aos poucos me evadi, tive aventuras;

se foram menos ou mais do que eu queria

meu coração nem sequer hoje avalia,

se foram bênção ou tão só ternuras...

Mas sempre as encontrei, muito mais puras

nesses livros que sem cessar eu lia,

ou no teatro que então me seduzia:

livros não quebram as mais sagradas juras...

Tornei-me ator e violinista e dirigi

corais e atores a mim submetidos,

toquei em orquestras vários instrumentos

e assim o mundo inteiro percorri,

mais em minha mente que em passos definidos,

na multidão sem fim de meus momentos...

SONHOS ERÓTICOS XI

Sempre a música foi minha doce companheira;

tão logo em ser capaz eu percebi,

centenas de canções eu redigi,

caligrafadas com precisão certeira,

pois sempre achei bem pouco verdadeira

essa assertiva que tanta vez ouvi,

quando chamavam “compositor” aqui

a qualquer um de execução ligeira.

Nas melodias que fiz no pentagrama

as minhas músicas parecem ser impressas;

são fruto de um trabalho laborioso;

mas hoje existe um digital programa

que simplesmente escuta e imprime as peças:

desfez-se a pompa de meu ideal glorioso...

SONHOS ERÓTICOS XII

Deste modo, fui mudando de paixão

(desculpe, amigo, a armadilha do erotismo,

mas fui sincero, não foi oportunismo

que me levou a escolher titulação),

pois ao buscar partilhar toda a emoção,

poderia até falar em comunismo...

São iguais sonhos que partilho em tal modismo,

mais que os sexuais, de erótica ascensão.

Ainda leio, sempre que tenho tempo;

desgasto em traduções a minha cultura:

alguns textos decifrar é arqueologia...

Enquanto as velhas paixões se vão perdendo

e me consolo em gestos de ternura,

ao ver que minha paixão hoje é a poesia...