Cavalo morto

Sou bruma que em mistério oculta a ilha

da infância dos meninos e meninas;

dos tesouros guardados nas retinas

e cujo olhar sem vida já não brilha.

Sou o cavalo morto da Cecília

Meireles. Sangue podre nas narinas

a rescender peixe cru das marinas,

como um barco emborcado pela quilha.

Enxameiam as moscas em família

na dança espectral e, bailarinas

como as brocas que comem a mobília,

perscrutam minhas vísceras mofinas.

Sou corcel para sempre na vigília,

a trotar pelos campos e colinas.

Este soneto é uma homenagem a Cecilia Meireles, consagrada poetisa brasileira. Nascida Cecília Benevides de Carvalho Meireles em 7/11/1901 no Rio de Janeiro, aí mesmo faleceu em 9/11/1964, cerca de seis meses após ter sido deflagrado o golpe que impôs no Brasil os anos de chumbo da ditadura militar. Elaborou seus primeiros versos aos 9 anos (!) e estreou "Espectros", seu primeiro livro de poemas aos 18 anos, em 1919, no final da Primeira Guerra Mundial. Traduziu peças de teatro de Garcia Lorca, Rilke, Tagore e Virgínia Wolf e teve também sua poesia traduzida para vários idiomas.

(Publicado inicialmente no www.algoadizer.com.br edição de julho/2014)

luca barbabianca
Enviado por luca barbabianca em 31/08/2014
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