Soneto

Ouvi, senhora, o cântico sentido

Do coração que geme e s’estertora

N’ânsia letal que o mata e que o devora,

E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,

As minhas crenças que alentei outrora

Rolam dispersas, pálidas agora,

Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!

E eu triste, triste pela vida afora,

Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras,

Sombrio e mudo e glacial, senhora,

Como um coveiro a sepultar quimeras!

Augusto dos Anjos
Enviado por Poeta Dom Casmurro em 02/03/2015
Reeditado em 02/03/2015
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