Saudades, São Paulo!

Um final de semana em São Paulo. Friozinho que eu não esperava nos últimos dois dias.

Aqui, onde eu não lembro quem sou, toda conversa desliza fácil. Começa sem estranheza, como se eu já nascesse falando. Converso com os artistas da rua, os gerentes e hóspedes do hostel. Até arrisquei um inglês com uma morenaça maravilhosa do Texas. Minha cabeça não se importa com o que eles devem estar pensando. Nunca mais vão me ver.

Eu estava na escada esperando outro homem e conheci este sem querer. Acompanhado de um amigo. Os dois tinham parado pra ler o quadro riscado a riz que mostrava a promoção da Stella Artois e da Heineken. Fiz um gesto para que se aproximassem.

Disse que eu era viajante e estava sozinha - disse isso como quem pede ajuda. Era sábado à noite e eu não sabia muito o que fazer. Estava esperando um menino que conheci na noite interior: sentada na escadaria do Teatro Gazeta, abordei dois meninos que tocavam o ukulele em rodízios. Comecei a conversar com um loirinho bonito, de voz muito macia, instrutor de yoga e estudante de filosofia da USP. Óbvio, após essas duas coisas, passei meu telefone.

Enfim, esperando um conheci o outro, bem ordinária da minha parte. Mas estava de férias e queria beber a vida no gargalo. Os dois compraram as cervejas promocionais e conversamos muito, muito tempo, até o loirinho chegar e ainda depois. Ele entrou na conversa e todos nós ficamos juntos naquele friozinho da frente do hostel. Conversaram sobre a USP, sobre os karaokês da Liberdade, sobre paulistas, paranaenses e cariocas...

Trocamos facebooks e depois os dois foram embora. Me deixaram a sós com o loirinho, com quem troquei uns amassos. A partir dali ele começou a discorrer putaria no meu ouvido direito, da qual por algum motivo senti muito nojo, ignorei e acabei pedindo com que ele fosse embora. Ele foi, cabisbaixo, triste por ter me deixado desconfortável. Problema dele.

Enfim, domingo de manhã na Paulista. Nunca vou esquecer. Via dupla enorme, feirinhas de antiguidades e artes, conversas na calçada com fotógrafos e pintores. Sentei e ouvi uma banda muito bacanuda chamada Picanha de Chernobyl por muito tempo, sentada no meio da rua. Tudo era onírico. As crianças brincavam com bolhas de sabão, os paulistas estavam numa felicidade que nunca achei que encontraria na cidade grande, passeando com os filhos ou com seus cachorrinhos de cinco mil reais...

Andei até meu pé começar a inchar. Almocei um Mac Donalds Num shopping aleatório, comprei dois livros por dez reais. Fui pro hostel botar as pernas pra cima. Mandei mensagem pra um dos guris da noite anterior. O mais velho, mais cabeludo, de olhos puxados. Formado em Artes. Fazia Letras, segundo ano, como eu.

Se ofereceu pra me levar até os Museus do Ibirapuera. Quando? perguntei. Agora!

Assim eu levantei da cama num pulo e fui encontrá-lo num café. Fomos num ponto ali perto de uma farmácia e ficamos conversando muito tempo. Pegamos o ônibus, passei mil anos procurando moedas na bolsa pra atravessar a catraca. Chegamos. Não sei porque mas me marcou muito ele me contando assim que descemos que ali tinha tomado spray de pimenta no rosto após participar de um protesto de professores. Me senti pequena. Parecia tão longe da minha realidade.

Por algum motivo minha cabeça não se lembra bem dos museus. Lembro do primeiro, muito arquitetônico, bacanudo, lembro de me sentir um peixe fora d'água. Logo eu, no museu, achei me sentiria um cristão na igreja.

Passamos por uma ponte gigantesca que ligava dois museus. Me senti poderosa e urbana. Parecia aquelas pontes onde as meninas tiram foto mostrando os peitos e postam no tumblr. Enfim.

O outro museu era muito lindo e me tocou mais. Vi Schiele de perto. Vi um grupo de amigos rodeando uma escultura fascinados como se ela fosse de outro mundo. Vi um gato de pelúcia gigante. (muito importante, né?).

Eu ficava olhando pra ele e perguntando: isso aqui é arte? Eu não entendo. Ele só ria, acenando com a cabeça.

Anoiteceu. Eu fiquei com medo. São Paulo à noite, ao relento. Mil pessoas se enfiando no mesmo ônibus. Pedimos um uber e fomos pra um barzinho.

Ah, minha parte favorita. Aparentemente não sou dos museus, sou dos bares. O bar era de jazz. Sempre quis ir a um bar de Jazz, nunca consegui companhia.

Ali no bar eu tive uma das conversas mais interessantes da minha vida. Eu estava bêbada, posso não lembrar direito, mas lembro de pensar isso o tempo todo. Que cara interessante! aaaaaaa

Conversamos sobre literatura. Sobre religião. Sobre felicidade, depressão, ansiedade. Sobre nossos pais. Sobre cigarro. Sobre ser professor. Ele me mostrou seus desenhos.

Primeiro, pedimos um chili, que foi basicamente a coisa mais gostosa que eu já comi. Enchemos o bucho. Tomamos muita cerveja. O barzinho era escuro, muito bem decorado e a banda de jazz arrasava. O velho tocando lembrava muito David Gilmour.

Na frente do bar, na calçada, havia um sofá grande, verde. Fomos pro sofá. Ali conversamos como velhos amigos nas suas casas, numa naturalidade e compressão mútua que eu nunca tinha pensado antes. Ele pediu licença pra acender um cigarro. Foi comprar um maço. Reparei longamente no seu corpo, nos ombros largos, na sua bunda ( é sexista isso? peço perdão). Tudo muito delineado, vamos dizer assim.

Conversamos um pouco mais e ele geralmente tocava em mim quando a gente ria de alguma coisa. O que me deixava discretamente acesa. Pagamos a conta, elogiamos muito o bar para o gerente, fomos a pé pro hostel.

Lembro de darmos os braços e irmos devagar, conversando, e de passarmos por debaixo do MASP, o que eu achei MUITO hipnotizante e nunca vou esquecer. As ruas já estavam mais vazias. Ainda assim eram barulhentas.

Chegamos no hostel e conversamos um pouco mais. Uma hora não deu mais pra uma boca ficar longe da outra. Não dava.

Fomos nos sentar no sofá e ele me deixou fazer cafuné no cabelo liso. Até ter de ir embora.

Na hora de nos despedirmos, ele riu e me disse que eu era ''muito abraçável''. Eu ri também. Apertei seu corpo contra o meu. E eu observei ele ir embora. Por muito tempo.

Arrumei minhas malas conversando com dois amigos que acabavam de chegar de uma balada. Conversamos até o anoitecer. Engraçado, falamos muito sobre paixão...

Observamos o dia amanhecer e eu fui pro aeroporto, me despedindo no caminho de cada prédio de São Paulo. E dele.

Lembrança do dia 29/maio/2017. Pra eu não esquecer.