Autobiografia / Suposto soneto à Fortaleza
Autobiografia
josé leite netto
no caminho certo das formigas sobre a pia
vou compondo meu universo de dezembro
enquanto meu irmão pede calma e assobia
uma canção que de tão triste já não lembro
minha mãe compõe caminhos e versos e fogo
e o meu céu fica por trás do ópio e da porta
através do inferno a vida fumaça de jogo
trinca de baralho ou lâmina que não corta
mas a festa está ao longe e se foi o carnaval
ânsia é só um abraço na minha filha de neve
na sala a casa é criança, gritos e festival
o ano passa e tudo mais a mais ficando leve
a rua um alpendre de desilusões e continuo
essa quase música que sem fim não concluo
Suposto soneto à Fortaleza
José Leite Netto
não quero deixar no mar nada do que sinto
nada entendimento de mim solidão e tempo
alegro-me por vezes entristeço e minto
qual ébrio sem vinho Baco talvez sem templo
mas ela velocidade cotidiana e pranto
lilás seu nome amor cidade mistério
Fortaleza oculta sob cem pedras e manto
onde se esmolam vinténs e cemitério
e dorme feito anjo sonho de mil desejos
o filho distante perto de Cícero foge da cruz
crucifixos e asfalto, lixo e gracejos
e querendo fé um sonho que nos conduz
ondula melodia verdes-mares e mar
onírica louca alma muitas por amar.