Coroa de sonetos - Tema: O estigma da Prostituição.              

                           ADVERTÊNCIA!
Nesta Coroa de Sonetos, a saga da pequena meretriz vai sendo contada, ao sabor dos sentimentos e lembranças da própria moça, sem compromisso com a sequência cronológica dos fatos, ora avançando, ora retrocedendo na narrativa.
                                                                                                             O Autor

 
 

             COROA DE SONETOS

(A triste saga de uma garota de programa.)

 

           

SONETO I

Do corpo dado, à noite, em oferenda,

Seguia conformada a sua sina.

Que, sendo pouco mais que uma menina,

Tivesse sorte triste e tão horrenda.

 

De ter seu débil corpo sempre à venda,

Num pesadelo vil que não termina,

Se oferecendo, à noite, numa esquina,

De muitos, tendo, ainda, a reprimenda.

 

Por que bonita, meiga e diligente,

Caminho pedregoso foi querer?

E mesmo, assim tão jovem, decadente?

 

Bem poucos, com certeza, vão saber

O que essa moça vive e o que ela sente,

Nos rituais sombrios do prazer.

 

 

SONETO II

Nos rituais sombrios do prazer,

Tentando a todo custo o seu sustento

A moça, às vezes, traz ao pensamento

Saudoso tempo, outrora, em seu viver.

 

As lágrimas lhe vêm, por um momento,

Silente pranto em tão cruel sofrer.

Percebe, então, que já não tem poder

De, por si só, cessar tal sofrimento.

 

Bem pouco espera ter da sociedade,

De superficial moralidade.

Coberta pela cal da hipocrisia,

 

O mesmo que a condena, à luz do dia,

À noite, se aconchega, em sua tenda,

Em meio às luzes púrpuras e renda.

 

 

SONETO III

Em meio às luzes púrpuras e renda.

As noites vão seguindo sempre iguais.

Aos doces sonhos que nem ousa mais,

Faltando espaço em sua rude agenda.

 

Não há penar que ainda a surpreenda

Rotina triste em que pensou jamais.

Dissimulados seus gemidos tais,

No fundo, expressam sua dor horrenda.

 

Já pouco importa o corpo maltratado,

Fingindo um gozo que não pode ter,

Sorriso amargo, coração fechado.

 

Proporcionando instantes de prazer

Aos tantos que ela acolhe do seu lado,

A moça vai tecendo o seu viver.

 

 

SONETO IV

A moça vai tecendo o seu viver,

Sonhando ter de volta a liberdade.

Feliz de novo, plena e livre, ser.

No fundo traz consigo essa vontade...

 

Deixar de vez a forte tempestade,

Que assola a sua vida, ao lhe trazer

Rajada fria e pingos de saudade,

Em cada noite, triste, em seu sofrer.

 

Retalhos de alegria traz consigo,

Dos áureos tempos cheios de inocência,

Do lar, tendo o calor ameno abrigo.

 

Dos pais, carinho, amor e paciência.

Agora, sempre ausente um ombro amigo,

Relembra os tempos bons da adolescência.

 

 

SONETO V

Relembra os tempos bons da adolescência,

De tantos planos para a vida afora.

Crescer... Formar... E. quando fosse embora,

Levasse de seu lar a pura essência.

 

Diversos em tudo do que vive agora,

Penando em troca da sobrevivência.

Abandonada, em trágica impotência,

Sem ter remédio, cobre o rosto e chora!

 

Na infância, acreditou que fosse a vida

Jardim florido e pródigo de cor.

Que os sonhos nela fossem ter guarida.

 

Mas descobriu, bem logo, a aguda dor,

Rasgando o peito em cálida ferida,

Da entrega sem pensar. Ingênuo amor!

 

SONETO VI

Da entrega sem pensar. Ingênuo amor!

Promessas vãs e descumpridas juras.

Idílio transformado em amarguras,

Ternura convertida em fina dor.

 

A vida de inocência e de aventuras,

Perdendo de repente toda cor.

Na puberdade, é ilícito supor

Que as coisas possam ser assim tão duras.

 

De súbito, seu mundo de alegria,

Desmoronou-se em plena adolescência,

Sem chance de aprender tão quanto havia.

 

Ouviu, do pai, a voz, em prepotência,

Dizer, com decisão, ordem tão fria:

- Que busque ao mais distante outra existência!

 

 

SONETO VII

- Que busque ao mais distante outra existência!

Ressoa, sem parar, em seus ouvidos.

Por ato de tão grande inconsequência,

Definitivos laços viu rompidos.

 

Agiu vestida inteira de inocência,

E, logo, os golpes duros recebidos.

Sem ter escolha, em meio a tanta ausência,

Entregue às feras, entre os decaídos.

 

Distante entre os estranhos vai, sozinha,

Buscando a solução seja aonde for,

Na vida peregrina, tão mesquinha.

 

O sofrimento é grande, forte a dor

De relembrar da mãe, a ladainha,

Do pai, o veredito. Extremo horror!

 

SONETO VIII

Do pai, o veredito. Extremo horror!

Sentença quase que de morte dada.

Seguir da vida a incerta e longa estrada,

Sem ter do lado quem lhe desse amor.

 

À própria sorte, sendo abandonada,

Ovelha exposta aos lobos, sem pastor.

Ninguém que possa dar-lhe um cobertor,

Que amenizasse a lúgubre jornada.

 

Por fim, descobre as luzes da cidade,

Jogada ao léu, no mundo. E tão criança!

Conhece o gosto amargo da maldade.

 

Se vende a preço vil, sem esperança,

Lembrando os tempos de felicidade.

Mas pouco serve, agora, essa lembrança.

 

SONETO IX

Mas pouco serve, agora, essa lembrança,

Na lama, se afundou definitiva.

Sentindo-se incapaz de manter viva

A chama, agora tênue, da esperança.

 

Eterna tempestade sem bonança,

Não tem, à dor, qualquer alternativa.

Se enreda nessa teia repulsiva.

De corpo e mente ao lodo, então, se lança.

 

De nada serve, então, seu sentimento,

Fechado traz no peito o coração.

A vida apenas dor e sofrimento.

 

Às vezes, vem-lhe o choro em emoção,

Mas logo esquece o pranto e o desalento.

Lamúria não lhe põe, à mesa, o pão.

 

SONETO X

Lamúria não lhe põe, à mesa, o pão

Nem faz voltar ao tempo bom vivido.

Por tudo em sua vida acontecido,

Não há mais volta em sua situação.

 

Difícil haver alguém que dê-lhe a mão

Nem mesmo o pai, viesse arrependido.

De certo, esteja tudo assim perdido,

Só por milagre vir a solução.

 

E a moça acostumada, na rotina,

Silente vai seguindo, em amargura,

No cumprimento atroz de sua sina.

 

No fundo, sabe que qualquer mudança,

Por mais total que seja, àquela altura,

Não traz de volta o tempo da bonança.

 

SONETO XI

Não traz de volta o tempo da bonança,

Da juventude promissora e ardente,

Repleta da mais forte confiança,

Descortinando um mundo florescente.

 

Em cada descoberta, adolescente,

Um mundo novo pleno de esperança.

A cada dia um cheiro diferente.

Um brilho novo e um som de nova dança.

 

De súbito, porém, a desventura

Desfaz de todo a azul serenidade,

Servindo em grandes taças a amargura.

 

Por forte amor, tão próprio à mocidade,

Da vida encontra a parte mais escura,

Perdida na mais torpe tempestade.

 

SONETO XII

Perdida na mais torpe tempestade,

Guardado um sentimento por segredo.

Foi se entregar, sem restrição ou medo,

A quem amou primeiro de verdade.

 

Desfez-se, das famílias, a amizade

E, à filha, impôs o pai, cruel degredo

Ninguém pudesse crer que, assim tão cedo,

Coubesse à moça tal calamidade.

 

Desesperada, em plena juventude,

Lançou-se ao mundo, sem saber razão

De o pai tomar tão sórdida atitude.

 

Não esperasse ao longe a solução.

Marcada pelo gesto extremo e rude,

De corpo e alma entregue à perdição.

 

SONETO XIII

De corpo e alma entregue à perdição,

Partiu do amor levando uma semente.

Um filho, como a mãe, todo inocente,

Sem crime cometido e sem perdão.

 

Tentou ganhar a vida honestamente,

De faxineira em lúgubre pensão.

Sentiu-se, logo, presa ao vil patrão,

Interessado em seu vigor somente.

 

Não encontrou remédio. Sem saída,

Cedeu pela total necessidade

De conseguir um prato de comida.

 

A tudo suportou, com dignidade...

Sem conhecer a sua triste vida,

A dor que sente compreender quem há de?

 

 

SONETO XIV

A dor que sente compreender quem há de?

Por ter nos braços filho deserdado.

Da jovem mãe maior felicidade,

Mas pela dor da rejeição marcado.

 

Não mede esforço em desvelar cuidado

Ao precioso amor de eternidade.

Jamais dormindo um sono sossegado,

Desfia fibra em fibra a mocidade.

 

Por fim se rende ao triste meretrício.

Um gesto extremo ter seu corpo à venda.

Faz pelo filho o enorme sacrifício.

 

O povo pode até que não compreenda,

A saga dessa moça em seu ofício.

Do corpo dado, à noite, em oferenda.

 

COROA

 

Do corpo dado, à noite, em oferenda,

Nos rituais sombrios do prazer,

Em meio às luzes púrpuras e renda

A moça vai tecendo o seu viver.

 

Relembra os tempos bons da adolescência,

Da entrega sem pensar... ingênuo amor!

- Que busque ao mais distante outra existência!

Do pai o veredito. Extremo horror!

 

Mas pouco serve, agora, essa lembrança,

Lamúria não lhe põe, à mesa, o pão

Não traz de volta o tempo da bonança.

 

Perdida na mais torpe tempestade,

De corpo e alma entregue à perdição,

    A dor que sente compreender quem há de?


 
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Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 18/06/2020
Reeditado em 31/01/2022
Código do texto: T6981321
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